Bruno Pacheco, Happy hour
Os estudos, se outros méritos não tivessem, têm pelo menos o de nos mostrarem certas realidades e obrigar-nos a reflectir sobre elas.
Já aqui coloquei por diversas vezes e sob diversos enfoques a questão da sindicalização. Dois novos estudos levam-me a regressar à questão, sem reflexões mas, sobretudo, muitas interrogações.
Um desses estudos é nacional e foi realizado por um investigador e docente do ISCTE, Paulo Pereira de Almeida. Trata-se, como o autor refere, de “uma análise do sindicalismo de serviço, o benchmarking de boas-práticas”. Elaborado sob encomenda da União dos Sindicatos Independentes (USI), o estudo deu origem a um livro recentemente publicado com o sugestivo título O Sindicato-Empresa.
Depreende-se (eu depreendi) das notas introdutórias que as conclusões surpreenderam quer o autor, quer o solicitante (Afonso Pires Diz, dirigente da USI), por serem de sentido contrário ao esperado.
Voltarei em breve a este livro. Por agora, interessa-me sublinhar uma das suas principais conclusões: “O presente trabalho permite concluir que 65% dos trabalhadores portugueses se considera globalmente satisfeito com a actuação dos Sindicatos. Por seu turno, apenas 31% dos trabalhadores portugueses manifestam a sua global insatisfação com os Sindicatos.” (Almeida, 2009: 99).
Um outro estudo, este internacional, divulgado há dias pelo Eurofound (Fundação Europeia para a Melhoria das Condições de Vida e de Trabalho), Trade unions across Europe tackle declining membership and density levels head-on, compara os níveis de sindicalização e a representatividade nos 27 Estados-membros da UE, juntando-lhe a Noruega.
Refira-se que genericamente é no sector público que os sindicatos têm maior número de filiados e, consequentemente, mais representatividade.
No entanto, na maioria dos países os sindicatos estão em declínio, embora o estudo revele que tal tendência não é uniforme, sendo possível identificar três grupos distintos: um, de pelo menos uma tendência positiva (em adesão ou densidade), composto por Chipre, Itália, Irlanda, Luxemburgo, Espanha e Noruega; o segundo, de manutenção do status quo, com movimentação de pouco relevância, onde se incluem os países nórdicos (Dinamarca, Finlândia e Suécia), França, Malta, Eslovénia e Reino Unido; por fim, um terceiro grupo, de tendência negativa, em que diminuiu consideravelmente nos últimos anos tanto a filiação como a densidade sindical, integra os oito países de Europa Central e Oriental. A Bélgica é o único Estado-membro da UE com uma evolução positiva em ambos os parâmetros.
No caso de Portugal, são visíveis dados negativos nas duas variáveis:
Trade union membership and density, 1990–2007 | |||||
1990 | 1995 | 2000 | 2005 | 2007 | |
Trade union membership (in thousands) | 1,200 | 960 | 940 | 920 | 900 |
Trade union density (%) | 38 | 30 | 25 | 24 | 24 |
Salaried workers (in thousands) | 3,169(1991) | 3,794 (2001) |
Source: Trade union membership estimates by the author; numbers of salaried workers based on Censos data for 1991 and 2001, issued by Statistics Portugal (Instituto Nacional de Estatística, INE)
O estudo apresenta as estratégias que têm sido seguidas pelas duas centrais sindicais nacionais (CGTP, UGT) e respectivos sindicatos para tentar inverter a actual tendência de queda. Sem esquecer, numa referência, os sindicatos independentes, de grupos ou categorias profissionais, corporativos. O caso mais paradigmático é o Sindicato dos Quadros e Técnicos Bancários (SNQTB), principal pilar da USI.
O estudo apresenta as estratégias que têm sido seguidas pelas duas centrais sindicais nacionais (CGTP, UGT) e respectivos sindicatos para tentar inverter a actual tendência de queda. Sem esquecer, numa referência, os sindicatos independentes, de grupos ou categorias profissionais, corporativos. O caso mais paradigmático é o Sindicato dos Quadros e Técnicos Bancários (SNQTB), principal pilar da USI.
A questão que trago para reflexão é esta: se a generalidade dos trabalhadores portugueses tem uma opinião positiva sobre a actuação dos sindicatos por que sistematicamente diminui a filiação?
É claro – e já o referimos neste blogue por mais de uma vez – há razões conjunturais e estruturais que o explicam: o desemprego e precariedade das relações laborais, a crescente diferenciação interna da classe média assalariada e consequente fragilização da acção colectiva, a heterogeneidade e des-standardização das formas de trabalho que propiciam o individualismo…
Esta dinâmica social e sobretudo laboral que se acentuou nas últimas décadas obrigou os sindicatos – ou alguns sindicatos – a responderem a uma multiplicidade de desafios, na contratação colectiva e não só.
Os dois estudos aqui citados confirmam-no. O estudo de Paulo Pereira de Almeida salienta a importância dada pelos trabalhadores “ao modelo de sindicalismo de serviço, e concretamente aos serviços prestados pelos Sindicatos que são mais valorizados pelos trabalhadores portugueses”: apoio judicial (23,2%), apoio na saúde (16,6%), formação e desenvolvimento de cursos (14,3%) (Almeida, 2009: 100).
(Apenas uma nota: pessoalmente discordo da interpretação de que este modelo seja uma “originalidade” dos sindicatos independentes – os sindicatos dos bancários da UGT adoptaram este modelo muito antes do aparecimento dos sindicatos independentes que constituem a USI.)
No caso da análise comparada efectuada pelo Eurofound, os exemplos experienciados por diferentes sindicatos de diferentes países dão algumas pistas sobre o que pode ser feito – alguns revelaram-se bem sucedidos e capazes de manter a situação e/ou suster a queda.
Mas tudo isto leva-me ao princípio: por que não resultam essas estratégias em Portugal, um país onde a maioria dos trabalhadores afirma estar satisfeito com a actuação dos sindicatos?