sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Sem arte nem saúde




As camionetas perfilam-se, prontas a conduzir até à capital enfermeiros e estudantes candidatos à profissão para um protesto que os sindicatos prometem ser o maior de sempre da área da saúde.
Em causa, como sempre neste país e nesta conjunta (mas também neste mundo e em qualquer conjuntura), o trabalho precário, o recibo verde, o salário indigno – há jovens licenciados a revelar ter trabalho todo um mês para receber 400€…
Quem recorre aos centros de saúde ou hospitais não precisa de informação secundária: sabe, pela prática, que os recursos humanos são (demasiado) escassos. Não fosse a família, e em muitos hospitais a comida dos doentes regressaria tal como chegou: intacta, não por falta de apetite mas devido à ausência de quem auxilie os que não conseguem tratar de si. E onde está o enfermeiro/a quando as dores aumentam e chamamos? Sentimo-nos abandonados num dos momentos de maior fragilidade da nossa existência.
O País passou de uma situação de extrema carência de profissionais da saúde, por falta de jovens licenciados (também em Enfermagem a média de entrada deixava muitos à porta da universidade)… para uma situação igualmente de carência. O que mudou, entretanto? A abertura de mais escolas de saúde. Da míngua de licenciados, o país passou ao excesso.
Curiosamente (ou talvez não…), a prestação de cuidados de saúde à população não melhorou. Melhorou, sim, a situação dos empregadores, públicos e privados (as parcerias público-privado aumentaram exponencialmente): já não precisam de concorrer entre si para assegurar a presença de enfermeiros, pagar-lhes melhor para tê-los nas suas unidades. Agora são tantos os jovens à procura de emprego que os salários desceram ao valores do trabalho indiferenciado; muitos trabalham à jorna, outros suspiram apenas por uma primeira oportunidade.
Também hoje, em plano Bairro Alto lisboeta, protestam os jovens estudantes do Conservatório, porque o belo edifício que alberga a principal escola das artes nacionais está a cair.
Os alunos estão na rua, a manifestar-se. Exigem tão só condições para aprender, um espaço digno para estudar e ensaiar. A situação dos alunos do Conservatório Nacional não está tão longe da dos enfermeiros como possa parecer. É este o País que temos. Sem arte nem saúde.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Construímos ou destruímos?



– O que fazias antes de seres guarda prisional, Irmão?
– Era pedreiro. Construí muitas casas com estas mãos. Casas lindas, com varandas e jardins e alpendres.
Hussein contempla as mãos por muito tempo, seguindo com um dedo as veias da mão contrária, como um homem que procura reter na memória uma paisagem querida.
– E o que preferes? Ser pedreiro ou ser guarda?
– São tempos diferentes, Irmão. Há um tempo para construir, e um tempo para destruir, para depois construir de novo. Talvez um dia volte a ser pedreiro, mas, para já, é isto que tenho de fazer.
Dalia Sofer, O Último Setembro em Teerão (Editorial Presença, 2009, pág. 145)

Podemos destruir quando trabalhamos? E temos consciência disso ou adormecemos a consciência a favor da sobrevivência?
O trabalho pode ser, hoje, alienante, como já alertava Marx há quase dois séculos? Negamo-nos no que criamos, num renovado e sempre igual processo de objectificação?

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Quem tem medo dos sindicatos?




Eis uma anedota que circula há já algum tempo e que ciclicamente me chega por e-mail:

Método do tijolo para contratação de funcionários
O método consiste em:
1-Colocar todos os candidatos num armazém.
2-Disponibilizar 200 tijolos para cada um.
3-Não dê orientação alguma sobre o que fazer.
4 -Tranque-os lá.
Após seis horas, volte e verifique o que fizeram.

Segue a análise dos resultados:
1 - Os que contaram os tijolos, contrate-os como contabilistas.
2 - Os que contaram e em seguida recontaram os tijolos são auditores.
3 - Os que espalharam os tijolos são engenheiros.
4 - Os que tiverem arrumado os tijolos de maneira muito estranha,difícil de entender, coloque-os no Planeamento, Projectos eImplantação e Controlo de Produção.
5 - Os que estiverem a arremessar tijolos uns contra outroscoloque-os em Operações.
6 - Os que estiverem a dormir coloque-os na Segurança.
7 - Aqueles que picaram os tijolos em pedacinhos e estiverem a tentarmontá-los novamente, devem ir directo para Tecnologia da Informação.
8 - Os que estiverem sentados sem fazer nada ou em conversa fiada vãopara Recursos Humanos.
9 - Os que disserem que fizeram de tudo para diminuir o stock mas aconcorrência está desleal e será preciso pensar em maioresfacilidades, são vendedores natos.
10 - Os que já tiverem saído são administradores.
11 - Os que estiverem a olhar pela janela com o olhar perdido noinfinito, são os responsáveis pelo Planeamento Estratégico.
12 - Os que estiverem a conversar entre si com as mãos no bolsodemonstrando que nem sequer tocaram nos tijolos e jamais fariam isso,cumprimente-os com muito respeito e coloque-os na Direcção.
13 - Os que levantaram um muro e esconderam-se atrás são doDepartamento de Marketing.
14 - Os que afirmarem não estar a ver tijolo algum no armazém, sãoadvogados, encaminhe-os ao Departamento Jurídico.
15 - Os que reclamarem que os tijolos "estão uma porcaria, semidentificação, sem padronização e com medidas erradas" coloque-os noControlo de Qualidade.
16 - Os que começarem a chamar os demais de "companheiros oucamaradas" elimine-os imediatamente antes que criem um sindicato.
Atenciosamente,
O Psicólogo Chefe

Para além dos juízos de valor sobre os traços caricaturais de cada profissão – afinal é isso que faz a anedota –, o que me choca realmente é que todos têm lugar na empresa, excepto uma “espécie” que deve ser logo “eliminada”: a que pode criar um sindicato.
Eis, pois, a mensagem que acaba por passar (e não é ingénua): os sindicatos são perigosos, quem se juntar a eles não tem lugar na empresa, logo está condenado ao desemprego – o medo supremo das massas nestes tempos de crise severa.
Uma das consequências da ascensão da ideologia neoliberal a partir dos anos 80 do século passado foi precisamente o ataque metódico e constante aos sindicatos e a todo o tipo de organização de trabalhadores – mais ou menos brutal, mais ou menos subliminar, consoante o país, o governo, o tecido social.
Ou seja, a emergência do chamado capitalismo desorganizado, com a consequente nova ordem económica global que promove a desregulamentação da relação salarial fordista, impulsionou a terciarização da sociedade e a crescente diferenciação interna da classe média assalariada e consequente fragilização da acção colectiva.
Com a heterogeneidade e des-standardização das formas de trabalho, o individualismo foi ganhando terreno, a sindicalização descendo para patamares cada vez mais insignificantes (excepto na administração pública ou em sectores específicos, com sindicatos neocorporativistas).
O reverso da medalha não demorou: aumento vertiginoso da precariedade laboral, do sub-emprego e do desemprego; das desigualdades sociais, da exclusão, da pobreza. O número de pessoas que trabalham mas continuam abaixo do limiar de pobreza está em crescendo.
Mesmo assim, a “mensagem” continua a passar, propagandeada insistentemente já não só por empregadores e governos – o primeiro executivo de Sócrates provou até à exaustão o ódio aos sindicatos – mas especialmente por “opinadores” que se afirmam independentes mas perfilham e praticam a ideologia neoliberal, arremetendo contra os direitos laborais e sociais dos trabalhadores e proferindo um discurso que pretensamente defende a meritocracia mas choca na delapidação de tudo o que foi conquistado em tempos de democracia mais social.
A “mensagem “ vai fazendo o seu caminho, infiltrando-se nas mentes – e as massas (re)agem em consonância, contra si próprias, achando sempre que o “malandro” é o seu igual, o seu vizinho, o seu colega (até que o vêm buscar, não é?)
Mas, diga-se em abono da verdade, os sindicatos não são isentos nesta devastação social. Ocupados em lutas político-ideológicas fratricidas, em alguns casos relegaram para segundo plano os interesses reais e quotidianos daqueles que representavam.
Mas se essa “culpa” – argumento bramido até à exaustão pelos neoliberais de serviço – não pode nem deve ser esquecida na equação da sua perda de representatividade, a verdade é que nas últimas décadas os sindicatos têm sido confrontados com uma série de mudanças que dificultam a predisposição para a acção colectiva, das alterações significativas na estrutura de classes às transformações no tecido económico e laboral.
Reconheçamos que face a uma globalização neoliberal cada vez mais acentuada, que fragmenta o tecido produtivo e precariza as condições de trabalho, não é fácil encontrar um caminho.
Sobretudo, não é fácil construir uma união sindical global – única forma de responder à globalização económica e financeira – quando a base de apoio está descrente, desconfiada, e exige resultados imediatos no seu quintal.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Para além do PIB

O debate está lançado, agora também em Portugal: o PIB bastará como indicador económico para dar conta do nosso bem-estar?
Sendo há décadas o indicador por excelência para medir e comparar o sucesso das economias e das sociedades, as suas limitações no âmbito da qualidade de vida e do bem-estar têm suscitado discussão, não só em termos académicos como também no seio de instituições como a ONU e a OCDE.
À semelhança do que acontecido noutros países, também em Portugal chegou a vez de alargar a discussão à sociedade civil.
Segundo informação enviada por mão amiga, um grupo de cientistas sociais inicia o debate no próximo sábado, em Lisboa.
Deixo a informação, para quem estiver interessado:

Há mais vida além do PIB
Biblioteca Museu República e Resistência
(R. Alberto Sousa, nº 10A – Bairro do Rego)
16 de Janeiro de 2010
15h30

Oradores:
Gualter Barbas Baptista - activista do GAIA e investigador do ECOMAN (Centro de Economia Ecológica e Gestão do Ambiente) da FCT/ Universidade Nova de Lisboa (UNL)José Castro Caldas – CES – Centro de Estudos Sociais da Universidade de CoimbraLuis Francisco Carvalho - ISCTE – Instituto Universitário de LisboaManuela Silva - Professora Universitária (aposentada)Susana Peralta - Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa (UNL)

domingo, 10 de janeiro de 2010

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Das grávidas da TAP às mães do BPI




















Embora sem a atenção que o caso merece, tenho acompanhado as notícias sobre as dez trabalhadoras grávidas da TAP que foram discriminadas na atribuição do prémio de desempenho, por a transportadora aérea ter equiparado a ausência por maternidade a absentismo ou suspensão do contrato, com base no Acordo de Empresa (AE).
Este era, resumidamente, o conteúdo da notícia do I, que adiantava ainda ter o primeiro-ministro sido consultado sobre a questão e apoiado a decisão da administração da TAP. Decisão que, como a própria notícia acrescenta, contraria o parecer da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE) e acórdãos de Bruxelas.
Os jornais de hoje dão conta de um esclarecimento da TAP, enviado às Redacções, em que a empresa justifica a sua decisão argumentando que não esteve em causa a gravidez, mas a ausência daquelas trabalhadoras por mais de cinco meses (o tal período referido no AE). Como prova da sua boa-fé, a TAP dá o exemplo de outras 37 mulheres que gozaram licença de maternidade inferior a cinco meses – e por isso receberam prémio.
Este caso fez-me recordar um outro, igualmente pernicioso mas que, infelizmente, não tem tido o mesmo eco na comunicação social – embora a empresa em causa não tenha sequer, ao contrário da TAP, a esfarrapada desculpa dos resultados.
Trata-se do banco BPI. Segundo tem sido noticiado num site sindical (http://www.sbsi.pt/), os sindicatos dos bancários têm estado a negociar com os bancos a adaptação do contrato de trabalho ao Código do Trabalho. E, por incrível que pareça, o processo encravou precisamente na transposição das normas do regime de parentalidade para o acordo colectivo dos bancários.
E porquê? Porque o BPI recusa-se a pagar aos trabalhadores abrangidos as prestações correspondentes. Ou seja, segundo a notícia, o banco de Fernando Ulrich até aceita como boa a justificação pela ausência das mães que gozem o direito conferido pela lei – um dos muito poucos benefícios introduzidos na revisão do Código do Trabalho pelo PS – mas pagar por isso, nunca. Se o fizesse, certamente o BPI deixaria de ter lucros ao fim do ano…
Este é o clima laboral que se vive em Portugal. Nas empresas públicas e nas privadas. Se no caso da TAP, o governo até apoiou a decisão da empresa, no do BPI (que se saiba), não obrigou, no mínimo, ao cumprimento da lei.
Foi por isso que patrões e governo aceitaram este “benefício” no Código, como contrapartida para tudo o que foi retirado e que protegia o trabalhador? Por saber que dificilmente seria cumprido? Parabéns. Foi uma jogada de mestre!

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Imagens de trabalho




China, Agosto 2009
China - rio Yangtze, 1946 (revista Life)

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

De que falamos quando falamos de trabalho?

Nestes tempos de globalização imposta, devemos falar de trabalho, de emprego, ou defini-lo simplesmente como "work"?