sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Quem tem medo dos sindicatos?




Eis uma anedota que circula há já algum tempo e que ciclicamente me chega por e-mail:

Método do tijolo para contratação de funcionários
O método consiste em:
1-Colocar todos os candidatos num armazém.
2-Disponibilizar 200 tijolos para cada um.
3-Não dê orientação alguma sobre o que fazer.
4 -Tranque-os lá.
Após seis horas, volte e verifique o que fizeram.

Segue a análise dos resultados:
1 - Os que contaram os tijolos, contrate-os como contabilistas.
2 - Os que contaram e em seguida recontaram os tijolos são auditores.
3 - Os que espalharam os tijolos são engenheiros.
4 - Os que tiverem arrumado os tijolos de maneira muito estranha,difícil de entender, coloque-os no Planeamento, Projectos eImplantação e Controlo de Produção.
5 - Os que estiverem a arremessar tijolos uns contra outroscoloque-os em Operações.
6 - Os que estiverem a dormir coloque-os na Segurança.
7 - Aqueles que picaram os tijolos em pedacinhos e estiverem a tentarmontá-los novamente, devem ir directo para Tecnologia da Informação.
8 - Os que estiverem sentados sem fazer nada ou em conversa fiada vãopara Recursos Humanos.
9 - Os que disserem que fizeram de tudo para diminuir o stock mas aconcorrência está desleal e será preciso pensar em maioresfacilidades, são vendedores natos.
10 - Os que já tiverem saído são administradores.
11 - Os que estiverem a olhar pela janela com o olhar perdido noinfinito, são os responsáveis pelo Planeamento Estratégico.
12 - Os que estiverem a conversar entre si com as mãos no bolsodemonstrando que nem sequer tocaram nos tijolos e jamais fariam isso,cumprimente-os com muito respeito e coloque-os na Direcção.
13 - Os que levantaram um muro e esconderam-se atrás são doDepartamento de Marketing.
14 - Os que afirmarem não estar a ver tijolo algum no armazém, sãoadvogados, encaminhe-os ao Departamento Jurídico.
15 - Os que reclamarem que os tijolos "estão uma porcaria, semidentificação, sem padronização e com medidas erradas" coloque-os noControlo de Qualidade.
16 - Os que começarem a chamar os demais de "companheiros oucamaradas" elimine-os imediatamente antes que criem um sindicato.
Atenciosamente,
O Psicólogo Chefe

Para além dos juízos de valor sobre os traços caricaturais de cada profissão – afinal é isso que faz a anedota –, o que me choca realmente é que todos têm lugar na empresa, excepto uma “espécie” que deve ser logo “eliminada”: a que pode criar um sindicato.
Eis, pois, a mensagem que acaba por passar (e não é ingénua): os sindicatos são perigosos, quem se juntar a eles não tem lugar na empresa, logo está condenado ao desemprego – o medo supremo das massas nestes tempos de crise severa.
Uma das consequências da ascensão da ideologia neoliberal a partir dos anos 80 do século passado foi precisamente o ataque metódico e constante aos sindicatos e a todo o tipo de organização de trabalhadores – mais ou menos brutal, mais ou menos subliminar, consoante o país, o governo, o tecido social.
Ou seja, a emergência do chamado capitalismo desorganizado, com a consequente nova ordem económica global que promove a desregulamentação da relação salarial fordista, impulsionou a terciarização da sociedade e a crescente diferenciação interna da classe média assalariada e consequente fragilização da acção colectiva.
Com a heterogeneidade e des-standardização das formas de trabalho, o individualismo foi ganhando terreno, a sindicalização descendo para patamares cada vez mais insignificantes (excepto na administração pública ou em sectores específicos, com sindicatos neocorporativistas).
O reverso da medalha não demorou: aumento vertiginoso da precariedade laboral, do sub-emprego e do desemprego; das desigualdades sociais, da exclusão, da pobreza. O número de pessoas que trabalham mas continuam abaixo do limiar de pobreza está em crescendo.
Mesmo assim, a “mensagem” continua a passar, propagandeada insistentemente já não só por empregadores e governos – o primeiro executivo de Sócrates provou até à exaustão o ódio aos sindicatos – mas especialmente por “opinadores” que se afirmam independentes mas perfilham e praticam a ideologia neoliberal, arremetendo contra os direitos laborais e sociais dos trabalhadores e proferindo um discurso que pretensamente defende a meritocracia mas choca na delapidação de tudo o que foi conquistado em tempos de democracia mais social.
A “mensagem “ vai fazendo o seu caminho, infiltrando-se nas mentes – e as massas (re)agem em consonância, contra si próprias, achando sempre que o “malandro” é o seu igual, o seu vizinho, o seu colega (até que o vêm buscar, não é?)
Mas, diga-se em abono da verdade, os sindicatos não são isentos nesta devastação social. Ocupados em lutas político-ideológicas fratricidas, em alguns casos relegaram para segundo plano os interesses reais e quotidianos daqueles que representavam.
Mas se essa “culpa” – argumento bramido até à exaustão pelos neoliberais de serviço – não pode nem deve ser esquecida na equação da sua perda de representatividade, a verdade é que nas últimas décadas os sindicatos têm sido confrontados com uma série de mudanças que dificultam a predisposição para a acção colectiva, das alterações significativas na estrutura de classes às transformações no tecido económico e laboral.
Reconheçamos que face a uma globalização neoliberal cada vez mais acentuada, que fragmenta o tecido produtivo e precariza as condições de trabalho, não é fácil encontrar um caminho.
Sobretudo, não é fácil construir uma união sindical global – única forma de responder à globalização económica e financeira – quando a base de apoio está descrente, desconfiada, e exige resultados imediatos no seu quintal.

5 comentários:

  1. Estava a achar piada até chegar a essa parte, sinceramente não há paciência para estes tipos.

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  2. Tem razão. O problema é que eles estão aí...

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  3. Gostei da desmontagem da anedota. Muito interessante mesmo.
    Como alguém muito bem disse, o declínio do sindicalismo (e dos sindicatos) é efeito indirecto e diferido do seu triunfo. Muitas regalias hoje (ainda) existentes passam por sempre terem existido.
    Porém, também não é menos verdade que algumas lutas sindicais recentes, de força e com força, pecaram por uma deficiente transmissão de causa.

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  4. Pedro,
    Isso conduz-nos a uma outra reflexão: ainda há causas? E, especialmente, o que é uma causa?

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  5. Com toda a certeza que será um exercício interessante esse da causa, e, desde logo, se se conseguirá um consenso “causal”, parecendo certo, porém, que, como hoje é usual dizer-se, sempre existirá causa para além do sindicato, génese desta troca de opiniões. E, assim sendo, atrevo-me à questão de se não será causa a representatividade que o sindicato encerra (hoje por hoje estigmatizada, como se desmonta no artigo de fundo) e, no limite, se não será causa o próprio sindicato.
    Arriscando um lugar comum, tenho para mim que causas sempre existirão, sabendo-se que não é fácil estar em desacordo com o sentido da corrente (e não quero com isso dizer que somos os únicos que vamos de passo certo). Por preguiça, por instinto de sobrevivência, por uma infinidade de razões que a cada um importará, parece mais pacífica a inércia que a corrente proporciona.
    E aqui parece descobrir-se outro caminho: a coragem de assumir a causa.

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