A Turma (Entre les Murs), de Laurent Cantet
Comentando, na respectiva caixa de diálogo, o post sobre “Educação ou política?”, Ana questionava: «O que se entende por ‘cultura escolar’?».
Excelente questão, que nos remete para a importância, tantas vezes esquecida, da definição de conceitos – e que nos leva directamente à difícil definição do conceito de “cultura escolar”.
Comentando, na respectiva caixa de diálogo, o post sobre “Educação ou política?”, Ana questionava: «O que se entende por ‘cultura escolar’?».
Excelente questão, que nos remete para a importância, tantas vezes esquecida, da definição de conceitos – e que nos leva directamente à difícil definição do conceito de “cultura escolar”.
São muitas as suas definições, não só entre diferentes ciências sociais (Sociologia, Pedagogia, Antropologia, Gestão…) como no seio de cada uma delas, demonstrando a dificuldade de uma delimitação. (A este propósito merece referência um interessante artigo disponível na Internet: Pol, Milan et all (2007), “Em busca do conceito de cultura escolar: Uma contribuição para as discussões actuais”, in Revista Lusófona de Educação, nº 10, pp. 63-79).
De qualquer forma, e tendo presente o post em causa, penso que se adequa a definição simplista de “cultura escolar” como o conjunto de práticas, valores e normas consideradas como o alicerce dos actos e comportamento dos actores da escola considerada como um todo e como espaço estratégico de transmissão de uma visão do mundo.
Ou, como refere Renato Gil Gomes Carvalho, «os sistemas educativos acabam por ilustrar os valores que orientam a sociedade e que esta quer transmitir. É neste sentido que se pode falar, globalmente, de uma cultura, que se cria e preserva através da comunicação e cooperação entre indivíduos em sociedade e, especificamente, numa cultura escolar, isto é, num conjunto de aspectos, transversais, que caracterizam a escola como instituição». (“Cultura global e contextos locais: a escola como instituição possuidora de cultura própria”).
Especificando: não quis deter-me numa perspectiva funcionalista de considerar a escola como mera transmissora de normas definidas exteriormente, mas reflectir – até tendo em conta o livro em análise – no quão longe a escola portuguesa está de uma perspectiva interaccionista (apesar de um caminhar em direcção à autonomia).
Como acentua José Manuel Resende (A Sociedade Contra a Escola? A Socialização Política Escolar num Contexto de Incerteza, 2010, Instituto Piaget, 18,89€), os professores, “guardiães” e transmissores de um conjunto de práticas, valores e normas, vêem-se a tentar interagir com jovens cujos valores e normas são diferentes/opostos.
Alunos esses assim caracterizados:
- “vítimas” de uma maturidade tardia, centrados na sua imagem; (pág. 249)
- vistos pelos pais e pelos professores como crianças; (pág. 249)
- têm falta de vontade, disponibilidade e concentração para o trabalho («(…) o tempo que leva a ler um livro, que leva a ler uma folha, um texto que até pode ter uma história engraçada, este tempo não é compatível com o dia-a-dia deles») (pág. 255);
- vêem o esforço intelectual como um esforço de adversidade e de prémio que nada lhes diz, habituados a ter as coisas naturalmente; (pág. 255);
- vivem uma “cultura da facilidade, do saber descartável ou do saber utilitário” («(…) Aprendeu aquele conceito, pô-lo no teste e já foi! E também há noção de que tudo tem que ter uma utilidade prática (…)»)(pág. 255);
- para eles a escola é um espaço de lazer, as aulas são um sacrifício («Para eles a escola não exige, quem exige são os pais») (pág. 256).
Além disso, e de acordo com a localização geográfica, há uma distribuição das classes sociais dos jovens na estrutura da escola e a sua cultura tem uma raiz de classe e étnica (especialmente na escola de Lisboa).
«A primeira preocupação destes professores é garantir que os alunos encontrem suportes para assumir a sua autonomia e autodeterminação face a uma cultura juvenil que parece ir ao encontro da procura de soluções simples, imediatas e superficiais. Este mundo descartável criado pelas indústrias culturais ligadas à “cultura de massas” está a interferir, quer no crescimento intelectual e cognitivo do aluno quer no crescimento da sua maturidade como pessoa.» (Resende, 2010: 251).
Há um fechamento dos alunos sobre si próprios. Em primeiro lugar, decorrente da lógica mercantil das indústrias culturais ligadas à “cultura de massas” (especialmente através da televisão). «Em segundo lugar ocorre através da cultura juvenil que se instala na escola e que entra em choque com a cultura escolar. Esta cultura juvenil em sentido amplo multiplica-se, no espaço escolar, em diferentes subculturas juvenis cada uma delas procurando a sua identidade própria, a sua originalidade e a sua autenticidade face às outras que ali coexistem.» (idem: 252)
«É à volta destes universos, por vezes encerrados sobre si mesmo, que se afinam fidelidades e oposições. Não se opondo à diversidade de grupos juvenis, estes contrastes pecam justamente pelo seu excessivo fechamento, que trazem graves consequências do ponto de vista relacional, dentro e fora das salas de aula. O outro, em sentido amplo, deixa de existir nos seus universos individuais.» (idem)
E interroga-se o sociólogo: «Estando “o outro invisível”, sobretudo o outro que não lhe convém, como é possível criar nos alunos fechados sobre si próprios uma sociabilidade ajustada às regras do espaço escolar para depois ser transportada para o espaço social que também tem regras e princípios normativos?» (idem)
Uma interrogação que partilho plenamente.