sexta-feira, 19 de março de 2010

O humor é uma arma


A denúncia pode assumir muitas formas e o humor é uma delas. Nem só a palavra é uma arma.

A prova está na exposição internacional de cartoon «Exploração e direitos dos trabalhadores, olhar crítico a traço de humor», patente até 9 de Abril no Centro de Trabalho Vitória do PCP, em Lisboa (Av. da Liberdade).

Na mostra, uma centena de cartoonistas de 38 países expressam a sua visão sobre o actual mundo do trabalho, da mobilidade laboral ao desemprego, da crise económica à exploração.
Por todo o globo, a situação dos trabalhadores não difere significativamente, como se constata nos traços críticos dos cartoonistas – e Portugal não foge à regra: as injustiças vertidas para o papel pela dezena de autores nacionais acompanham a visão dos seus congéneres sobre a realidade laboral.

Sem preconceitos político-ideológicos, vale a pena cruzar a entrada do edifício do PCP e olhar a realidade com humor. Rir pode ser libertador… e provocar a acção.

A exposição é promovida pelo Partido Comunista Português (PCP) em colaboração com a Humorgrafe, produtora de eventos de humor gráfico.

quarta-feira, 17 de março de 2010

A sociedade do mal-estar


O Grito, de Edvard Munch

“Exploração remunerada” é o título de um excelente artigo que Borja Vilaseca, professor na Faculdade de Economia da Universidade de Barcelona, publicou no El País, de que é colunista.
Eis um excerto:

De hecho, la gran mayoría de la población activa española trabaja porque no le queda más remedio. Es una simple cuestión de supervivencia económica. Por medio del control del capital, que se traduce en el pago de salarios a finales de cada mes, las empresas se han convertido en las instituciones predominantes de nuestra era. No sólo condicionan y limitan nuestro estilo de vida, sino que son dueñas de nuestro tiempo y de nuestra energía. Incluso hay quien dice que la esclavitud y la explotación no se han abolido. Tan sólo se han puesto en nómina.

Como consecuencia de este contexto socioeconómico, cada vez más trabajadores detestan su empresa, no soportan a su jefe y odian su profesión. Lo cierto es que muchos están dejando de creer en la felicidad. Basta con ver la cara de la gente por las mañanas en los vagones del metro o en los atascos de tráfico. Algunos sociólogos afirman que padecemos una epidemia de "falta de sentido", lo que a su vez está ocasionando una enfermedad psicológica, más conocida como "vacío existencial". Debido a esta saturación de insatisfacción colectiva ya hay quien nos define como "la sociedad del malestar".

O artigo completo pode ser lido aqui.

Muitos trabalhadores jovens (ou menos jovens) poderão rever-se naquela descrição; partilhar o mesmo sentimento de vazio, sem prazer no que fazem, detestando a empresa e o chefe, questionando-se (ou até tendo já deixado de fazê-lo) se valeu a pena o esforço para chegar aqui.
O drama da segunda-feira e o desejo da sexta é cada vez mais comum.
Até quando é possível perpetuar esta sociedade de mal-estar?

terça-feira, 16 de março de 2010

O bebé podia ter ido com a água




Uma história com final feliz passou ontem nas televisões (pelo menos em duas): uma senhora deu à luz em plena cozinha de um restaurante de centro comercial, auxiliada pela dona da loja em frente, uma “clínica” de estética.

As reportagens enfatizaram o caricato da situação – diria antes, o absurdo – e o desfecho feliz: mãe e bebé estão bem.

Da improvisada parteira aos colegas de trabalho da parturiente, os discursos alinharam todos os pormenores do nascimento e as reportagens acompanharam o tom emocionado dos intervenientes – e quem assistia certamente que, como eu, não pôde evitar um sorriso embevecido.

No entanto, gostaria de ter obtido respostas para algumas perguntas que não vi colocadas mas julgo fazerem todo o sentido para a compreensão cabal da “história”:

- Por que razão aquela mulher esteve a trabalhar até ao momento exacto do início do parto?

- Que relação contratual tem e de que forma esse factor influenciou – ou não – o desenrolar da situação?

- Se o final não tivesse sido feliz, a quem assacar responsabilidades?

Um país com uma das mais baixas taxas de natalidade da União Europeia não pode correr o risco de ver os seus (poucos) bebés irem na água do banho.

quarta-feira, 10 de março de 2010

A proletarização da classe média




Já por diversas vezes me referi neste blogue à matriz das localizações de classe proposta por Erik Olin Wright, um sociólogo neomarxista de quem perfilho muitas das análises.
Especialmente interessante nos tempos que correm é verificar a fluidez social, sobretudo a velocidade da mobilidade social descendente entre classes.
Atente-se na polarização social, na fragmentação. A proletarização da classe média é cada vez mais uma realidade.
Várias investigações assentes na empiria constatam-no e um olhar atento à realidade permite, no mínimo, percepcioná-lo – com todas as cautelas que tal análise, obviamente não científica, exige.
Esta reflexão vem a propósito de um encontro recente de um grupo de amigas de longa data, todas “tipo ideal” dos “técnicos não gestores com qualificações mas sem recursos organizacionais” da matriz de Wright: jornalistas (de diferentes órgãos de comunicação social), técnica de uma empresa de telecomunicações, copy write numa agência de comunicação, advogada, técnica de saúde, professoras (de vários graus de ensino).
Em comum, uma nova “partilha”: a lancheira. Todas estas profissionais, ao longo dos anos habituadas a refeições em restaurantes (melhores ou piores) na proximidade do local de trabalho, optaram agora pela saudável (e bastante mais económica) comida caseira, transportada diariamente de forma discreta numa pasta “de executivo” ou mochila.
Mais interessante ainda foi saber que algumas das empresas onde trabalham aderiram já à nova modalidade, e amavelmente disponibilizaram um pequeno espaço – com micro-ondas – para que os funcionários possam almoçar.
Não é o regresso aos refeitórios das antigas fábricas – é pior. Porque os “refeitórios” dos novos operários são espaços inapropriados: exíguos, frios, sem condições higiénicas (nem água têm) e não formalizados. São “um jeito” que o patrão dá.

sexta-feira, 5 de março de 2010

Imagens da Europa laboral

… e afinal eles resistem!

Muitas são as vozes a apelar à desistência. O argumento, agora como antes, é que não vale a pena: a situação é muito má (por responsabilidade de quem?) e luta alguma trará frutos.
Apesar de tudo, há cada vez mais focos de luta colectiva (ou protestos corporativos?)

– A Europa incendeia-se…


Portugal: greve da função pública

Grécia: greve geral contra medidas de austeridade
França: greve nas refinarias da Total
Alemanha: greve dos pilotos da Lufthansa

terça-feira, 2 de março de 2010

A luta de classes não acabou




O que constitui uma classe social e a distingue das restantes? O conceito de classe social é um dos mais controversos da Sociologia. Ao longo do tempo tem dado origem a distintas correntes teóricas e ocupado boa parte dos estudos, teóricos e empíricos.

A organização das sociedades em estratos distintos é anterior à própria definição de classe social. É um traço comum a quase todas as sociedades, independentemente do tempo e do espaço.

Ou seja, o sentido das desigualdades muda consoante o enfoque e o momento histórico, influenciando não só o modo de distribuição de características em grupos como também a forma como os actores percepcionam a realidade social em que se inserem.

O conceito de classe social inaugurado por Karl Marx (que se baseou nos economistas clássicos, nos historiadores e nos socialistas utópicos) sofreu a primeira reformulação logo com Max Weber – desde então e ao longo dos dois séculos subsequentes muitos dos conceitos partem das teorias dos dois pensadores, constituindo-se assim as duas mais influentes escolas sociológicas (funcionalistas à parte).

Mas especialmente desde o triunfo da doutrina neoliberal, muitos são os defensores da teoria do fim das classes sociais, apregoando as sociedades ocidentais como exemplos (quase perfeitos) de meritocracias, onde a ascensão social depende tão-só das competências e vontade de cada um.

Recentemente, simples notícias de jornais põem em evidência a falsidade de tal construção ideológica.

A propósito da tragédia na Madeira, o Jornal de Notícias sublinha: “Tempestade que matou 42 pessoas e desalojou 600 na Madeira atingiu mais a gente pobre” (ao que, aliás, já aludiu João Rodrigues no blogue Ladrões de Bicicletas)

E a notícia do JN prossegue: “Mais de metade dos óbitos, tal como a esmagadora maioria dos 600 desalojados pela intempérie, devem-se a gente de parcos recursos: os residentes nas favelas incrustadas nas margens das ribeiras que se precipitam no Atlântico ou nas casas assentes em terras movediças, como nas freguesias do Monte e de Santo António.”

Já o jornal I, citando um estudo da OCDE revela que a “ascensão social é difícil em Portugal” e a “educação não chega para reduzir fosso”.

“Apesar do crescimento económico nas últimas três décadas ter aberto novas oportunidades de ascensão social para milhares de portugueses, a mobilidade social relativa continua mais baixa do que noutros países desenvolvidos: Portugal é um dos países da OCDE onde a educação e o contexto económico dos pais mais influência tem no salário ganho pelos filhos”, especifica o jornal.

Ou seja, Portugal continua um país com uma estratificação social rígida – e não é, ao contrário de uma das hipóteses elencadas pela OCDE, devido à “elevada” protecção dos trabalhadores.

A questão não é exclusiva de Portugal. A situação social na Europa, que a crise económica veio agravar, há muito denota sintomas de desestruturação.

De França todos os dias chegam sinais de mal-estar social.

O Diário de Notícias (divulgando um texto da agência Lusa), dá conta de um clima de crispação "sem precedentes" em França, em que “o racismo social ganha força sobre o racismo de cor”. O alerta é do Mediador da República, Jean-Paul Delevoye, entrevistado pela Agência Lusa em Paris.

“Antes, as clivagens eram relativamente claras, ou se era de esquerda ou direita, rico ou pobre. Hoje, há muitas fragmentações que criam novas fronteiras”, constata o Mediador da República, considerando que o risco de “um racismo social ganha mais força sobre o racismo de cor”.

“Isto é, eu combato pelo conforto pessoal sem me preocupar com o conforto do outro”, especifica, adiantando a sua preocupação com uma cada vez maior multidão de invisíveis: “É gente de que não falamos, que não vemos, que não ouvimos, porque são os pequenos reformados a viver com 500 euros por mês e todas as pessoas que entraram numa espiral de dessocialização.”

“Todas as nossas estatísticas são baseadas no sistema mercantil e esta divisão já não tem actualidade. Tudo tem que ser produtivo e tudo tem que ser consumível, incluindo o tempo.”

E enquanto economistas e políticos europeus esperam que da Alemanha arranque a retoma económica, o país debate o apoio aos mais carenciados – porque a isso foi obrigado pela Justiça.

Segundo o Libération, o Tribunal Constitucional alemão deu aos políticos o prazo limite do final do ano para resolverem um problema social, que é um dilema político e ideológico: quanto é preciso para viver dignamente?

É que os actuais mínimos sociais foram considerados insuficientes para se viver com dignidade – logo, contrários à Constituição alemã.

A verdade é que quase sete milhões de pessoas, dos quais 1,7 milhões de crianças, vivem com a atribuição do “Hartz IV”, um apoio social decidido em 2005 pelo governo social-democrata de Gerhardt Schroeder, a que se soma ajuda para habitação e aquecimento.

E apesar de este apoio ter representado 30% do PIB alemão do ano passado, foi considerado insuficiente, nomeadamente porque priva as crianças nesta situação de qualquer possibilidade de mobilidade social ascendente.

Significativas foram as reacções à decisão do Tribunal Constitucional.

Os liberais, parceiros de coligação da chanceler Angela Merkel, manifestaram-se contra a transferência de mais verbas para apoios sociais, e o seu líder, Guido Westerwelle (que é também ministro dos Negócios Estrangeiros), resumiu a posição do partido numa frase lapidar: “Todos falam de quem recebe, mas praticamente ninguém presta atenção à classe média, que paga tudo.”

Por sua vez, o SPD aproveitou o debate para exigir a reintrodução de um salário mínimo na Alemanha – onde cabeleireiros, seguranças ou caixas, por exemplo, não ganham sequer 5 euros por hora.

Ou seja, os salários são tão baixos que mais de um milhão de alemães, apesar de estarem empregados, necessitam de apoio estatal para não caírem abaixo do limite mínimo social (o tal Hartz IV).

O que merece a acusação do Die Linke (Partido de Esquerda): o Hartz IV permite aos patrões, a clientela do FDP, realizar uma parte dos seus lucros à custa do Estado.

Quem diz que a luta de classes acabou?