quarta-feira, 10 de março de 2010

A proletarização da classe média




Já por diversas vezes me referi neste blogue à matriz das localizações de classe proposta por Erik Olin Wright, um sociólogo neomarxista de quem perfilho muitas das análises.
Especialmente interessante nos tempos que correm é verificar a fluidez social, sobretudo a velocidade da mobilidade social descendente entre classes.
Atente-se na polarização social, na fragmentação. A proletarização da classe média é cada vez mais uma realidade.
Várias investigações assentes na empiria constatam-no e um olhar atento à realidade permite, no mínimo, percepcioná-lo – com todas as cautelas que tal análise, obviamente não científica, exige.
Esta reflexão vem a propósito de um encontro recente de um grupo de amigas de longa data, todas “tipo ideal” dos “técnicos não gestores com qualificações mas sem recursos organizacionais” da matriz de Wright: jornalistas (de diferentes órgãos de comunicação social), técnica de uma empresa de telecomunicações, copy write numa agência de comunicação, advogada, técnica de saúde, professoras (de vários graus de ensino).
Em comum, uma nova “partilha”: a lancheira. Todas estas profissionais, ao longo dos anos habituadas a refeições em restaurantes (melhores ou piores) na proximidade do local de trabalho, optaram agora pela saudável (e bastante mais económica) comida caseira, transportada diariamente de forma discreta numa pasta “de executivo” ou mochila.
Mais interessante ainda foi saber que algumas das empresas onde trabalham aderiram já à nova modalidade, e amavelmente disponibilizaram um pequeno espaço – com micro-ondas – para que os funcionários possam almoçar.
Não é o regresso aos refeitórios das antigas fábricas – é pior. Porque os “refeitórios” dos novos operários são espaços inapropriados: exíguos, frios, sem condições higiénicas (nem água têm) e não formalizados. São “um jeito” que o patrão dá.

4 comentários:

  1. Quando eu era pequena levava lancheira para a escola e era uma priveligiada, como as coisas mudam consoante as idades.

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  2. Um jeito que o patrão dá e algum desatino para quem tem de suportar o cheiro a comida que sempre por ali fica.
    E não deixaria de ser interessante ter-se uma ideia do porquê deste "renascimento" da lancheira. Saudável? Admito que o seja. Economia? Tenho sérias reservas.
    Em boa verdade, e ainda que seja deveras abrangente essa figura de "classe média", sou levado a concordar com a velocidade da mobilidade descendente que aqui se fala.

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  3. Posso dar o meu contributo para esta discussão: conheço cada vez mais pessoas que, por uma questão de poupança, passaram a levar o almoço de casa. A verdade é essa. Eu própria o faço.

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  4. Não tenho por hábito comentar blogs. Vejo os que acho interessantes e nada mais. Mas desta vez senti necessidade de qubrar essa regra para dizer que gosto muito deste blog por reflectir e analisar situações concretas, comentar a realidade, e não se ficar apenas por discussões teóricas e/ou políticas-partidárias. Espero que continue assim.

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