sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Feliz Natal...


... e que o ano novo permita esquecer todas as malfeitorias deste.

Que 2011 traga mais sorte a todos os trabalhadores, independentemente da sua situação perante o trabalho.

Votos de solidariedade aos homens e mulheres de boa vontade!

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Nem amo nem senhor


Como é possível alguém sentir-se assim tão agrilhoado?

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Greve Geral


Estou em greve

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

O futuro está nos jovens?


Elísio Estanque é um sociólogo ligado à Universidade de Coimbra e ao grupo de cientistas sociais da Faculdade de Economia “liderado” por Boaventura Sousa Santos, que durante muito tempo teve como tema central das suas investigações as questões ligadas ao trabalho e ao movimento sindical.

Recentemente tem desenvolvido investigação na área dos movimentos sociais, nomeadamente o movimento estudantil de Coimbra.

Em entrevista ao Público, Estanque alerta para as consequências da precariedade laboral com que os jovens estão confrontados e a sua falta de perspectivas de futuro, assinalando que o protesto dos universitários contra os cortes na atribuição das bolsas pode ser o início de um novo ciclo de insurreição.

Será?

Vale a pena ler a entrevista e reflectir seriamente.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

O Direito voou para longe



Portugal deixou de ser um Estado de Direito.

Quando permite que uma empresa de capitais 100% públicos despeça trabalhadores por e-mail e no dia seguinte já lhes tenha confiscado o posto de trabalho substituindo-os por outros funcionários, o Estado perdeu não só a vergonha como a legitimidade moral para fazer respeitar a lei.

A situação não é fictícia, infelizmente: ontem, a Groundforce, detida na totalidade pela TAP, empresa pública, comunicou aos seus 336 trabalhadores de Faro a suspensão da operação naquele aeroporto – e esta manhã já tinha outros funcionários (que ontem mesmo fez seguir de Lisboa) a desempenhar as funções dos despedidos.

Uma das razões alegadas pela administração da empresa de “handling” para o fim das operações em Faro é a acumulação de prejuízos naquele aeroporto, especialmente devido à concorrência de uma outra empresa, que pratica preços mais baixos. Curiosamente, trata-se da Portway, também de capital público.

Face a gravidade de uma situação que nunca deveria ter acontecido, a ministra do Trabalho limita-se a afirmar que o Governo está atento à situação e vai analisar a forma como o processo foi conduzido.

«O que o Governo vai ter que fazer em relação a essa matéria, como faz em qualquer situação de despedimentos, é verificar a forma como esse processo foi conduzido», afirmou a governante, citada pela TSF online.

«A Autoridade para as Condições do Trabalho irá fazer essa análise, na medida em que é a forma de actuar em todos os casos deste tipo», acrescentou Helena André.

Curiosamente, as declarações da ministra foram feitas à margem de uma conferência sobre Direito do Trabalho.

Comentários para quê? Façamos a revolução!

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

O trabalho e os dias

É muito importante reflectir sobre o momento actual, profundamente marcado pela crise económica, as elevadas taxas de desemprego e de precariedade laboral e, consequentemente, pela pobreza e a exclusão social.

Esta é uma situação transversal às sociedades contemporâneas ocidentais dos chamados países desenvolvidos, especialmente da Europa.

Mas uma reflexão crítica séria exige que se convoque um conjunto de quadros teóricos para dar corpo aos conhecimentos empíricos que todos possuímos, baseados em experiências pessoais ou não. Só assim é possível compreender que acções foram empreendidas pelos actores para desembocarmos neste presente aparentemente sem futuro.

E pode também auxiliar na tomada de decisão sobre a participação na greve geral de 24 de Novembro: contra tudo e todos ou por tudo e todos?

Para uma abordagem geral e simples à Sociologia do Trabalho sugiro dois livros:

- Freire, João (2001) Sociologia do Trabalho: Uma Introdução, Porto, Afrontamento (a primeira edição é de 1993)

- Keith Grint (2002), Sociologia do Trabalho, Lisboa, Instituto Piaget (a edição inglesa é de 1998)

Uma referência crítica ao livro de Grint pode ser lida aqui

terça-feira, 2 de novembro de 2010

A República e os horários de trabalho




Entre as muitas actividades desenvolvidas no âmbito das comemorações do centenário da República, uma recomendo vivamente: a exposição “Viva a República! 1910-2010!”, patente até 1 de Dezembro na Cordoaria Nacional, a Belém (Lisboa).

A mostra é excelente, bem organizada, com soluções expositivas muito interessantes e um equilíbrio pouco habitual entre meios tecnológicos e acervo histórico.

Está lá, numa atractiva viagem cronológica, a germinação dos ideais republicanos e a instauração do regime, a vida política, social, cultural e artística deste período – incluindo participação de Portugal na I Grande Guerra – até ao golpe de 28 de Maio de 1926 e à ditadura militar subsequente, bem como o movimento de resistência à implantação do Estado Novo.

Mas no meio de tão grande profusão de acontecimentos num tão curto período, um houve que me chamou especialmente a atenção e que aqui deixo para reflexão:

Quando em 1908 os republicanos ganham a Câmara de Lisboa, os funcionários municipais conquistam um horário de trabalho de 8 horas diárias.

Um século depois, como estão?

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Esperança em quê?

Walker Evans, Truck and Sign, (EUA, 1930)


Uma conversa a que assisti ontem foi mais um contributo para o retrato do todo que é um país (a exemplo do mundo) a precisar urgentemente de mudar de paradigma.

Contava uma jovem licenciada a trabalhar como operadora de caixa (situação a que parecia estar conformada) que a mãe, apesar do seu excelente currículo e vasta experiência profissional, não conseguia encontrar emprego.

Motivo: tem 47 anos.

É inútil qualquer comentário.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Falemos de cultura escolar

A Turma (Entre les Murs), de Laurent Cantet



Comentando, na respectiva caixa de diálogo, o post sobre “Educação ou política?”, Ana questionava: «O que se entende por ‘cultura escolar’?».

Excelente questão, que nos remete para a importância, tantas vezes esquecida, da definição de conceitos – e que nos leva directamente à difícil definição do conceito de “cultura escolar”.

São muitas as suas definições, não só entre diferentes ciências sociais (Sociologia, Pedagogia, Antropologia, Gestão…) como no seio de cada uma delas, demonstrando a dificuldade de uma delimitação. (A este propósito merece referência um interessante artigo disponível na Internet: Pol, Milan et all (2007), “Em busca do conceito de cultura escolar: Uma contribuição para as discussões actuais”, in Revista Lusófona de Educação, nº 10, pp. 63-79).

De qualquer forma, e tendo presente o post em causa, penso que se adequa a definição simplista de “cultura escolar” como o conjunto de práticas, valores e normas consideradas como o alicerce dos actos e comportamento dos actores da escola considerada como um todo e como espaço estratégico de transmissão de uma visão do mundo.

Ou, como refere Renato Gil Gomes Carvalho, «os sistemas educativos acabam por ilustrar os valores que orientam a sociedade e que esta quer transmitir. É neste sentido que se pode falar, globalmente, de uma cultura, que se cria e preserva através da comunicação e cooperação entre indivíduos em sociedade e, especificamente, numa cultura escolar, isto é, num conjunto de aspectos, transversais, que caracterizam a escola como instituição». (“Cultura global e contextos locais: a escola como instituição possuidora de cultura própria”).

Especificando: não quis deter-me numa perspectiva funcionalista de considerar a escola como mera transmissora de normas definidas exteriormente, mas reflectir – até tendo em conta o livro em análise – no quão longe a escola portuguesa está de uma perspectiva interaccionista (apesar de um caminhar em direcção à autonomia).

Como acentua José Manuel Resende (A Sociedade Contra a Escola? A Socialização Política Escolar num Contexto de Incerteza, 2010, Instituto Piaget, 18,89€), os professores, “guardiães” e transmissores de um conjunto de práticas, valores e normas, vêem-se a tentar interagir com jovens cujos valores e normas são diferentes/opostos.

Alunos esses assim caracterizados:

- “vítimas” de uma maturidade tardia, centrados na sua imagem; (pág. 249)
- vistos pelos pais e pelos professores como crianças; (pág. 249)
- têm falta de vontade, disponibilidade e concentração para o trabalho («(…) o tempo que leva a ler um livro, que leva a ler uma folha, um texto que até pode ter uma história engraçada, este tempo não é compatível com o dia-a-dia deles») (pág. 255);
- vêem o esforço intelectual como um esforço de adversidade e de prémio que nada lhes diz, habituados a ter as coisas naturalmente; (pág. 255);
- vivem uma “cultura da facilidade, do saber descartável ou do saber utilitário” («(…) Aprendeu aquele conceito, pô-lo no teste e já foi! E também há noção de que tudo tem que ter uma utilidade prática (…)»)(pág. 255);
- para eles a escola é um espaço de lazer, as aulas são um sacrifício («Para eles a escola não exige, quem exige são os pais») (pág. 256).

Além disso, e de acordo com a localização geográfica, há uma distribuição das classes sociais dos jovens na estrutura da escola e a sua cultura tem uma raiz de classe e étnica (especialmente na escola de Lisboa).

«A primeira preocupação destes professores é garantir que os alunos encontrem suportes para assumir a sua autonomia e autodeterminação face a uma cultura juvenil que parece ir ao encontro da procura de soluções simples, imediatas e superficiais. Este mundo descartável criado pelas indústrias culturais ligadas à “cultura de massas” está a interferir, quer no crescimento intelectual e cognitivo do aluno quer no crescimento da sua maturidade como pessoa.» (Resende, 2010: 251).


Há um fechamento dos alunos sobre si próprios. Em primeiro lugar, decorrente da lógica mercantil das indústrias culturais ligadas à “cultura de massas” (especialmente através da televisão). «Em segundo lugar ocorre através da cultura juvenil que se instala na escola e que entra em choque com a cultura escolar. Esta cultura juvenil em sentido amplo multiplica-se, no espaço escolar, em diferentes subculturas juvenis cada uma delas procurando a sua identidade própria, a sua originalidade e a sua autenticidade face às outras que ali coexistem.» (idem: 252)

«É à volta destes universos, por vezes encerrados sobre si mesmo, que se afinam fidelidades e oposições. Não se opondo à diversidade de grupos juvenis, estes contrastes pecam justamente pelo seu excessivo fechamento, que trazem graves consequências do ponto de vista relacional, dentro e fora das salas de aula. O outro, em sentido amplo, deixa de existir nos seus universos individuais.» (idem)

E interroga-se o sociólogo: «Estando “o outro invisível”, sobretudo o outro que não lhe convém, como é possível criar nos alunos fechados sobre si próprios uma sociabilidade ajustada às regras do espaço escolar para depois ser transportada para o espaço social que também tem regras e princípios normativos?» (idem)

Uma interrogação que partilho plenamente.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Educação ou política?

Biblioteca municipal no miradouro de Santa Luzia (1949)


A propósito de um dos livros que me propus ler durante as férias – A Sociedade Contra a Escola? A Socialização Política Escolar num Contexto de Incerteza, de José Manuel Resende (Instituto Piaget, 18,89€), eis algumas reflexões sobre o universo escolar e o poder político:


Agora que se aproxima mais um ano escolar, o momento parece oportuno para uma reflexão séria e aprofundada sobre o universo escolar e os seus actores – internos (alunos, professores, pessoal auxiliar) e externos (pais, políticos, sindicatos, meios de comunicação social).

Nos últimos anos a escola tornou-se uma arena política e nessa inversão do papel social muita responsabilidade pode ser assacada ao primeiro Governo de José Sócrates e especialmente à sua ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, curiosamente uma mulher da Academia (professora associada do ISCTE).

A escolha dos professores como classe “a abater” enquanto estratégia de afirmação política (tentando passar a mensagem de que o governo não pactuaria nem cederia a pressões e interesses de grupo), aliada ao estilo autoritário e conflituoso da ministra, provocaram o maior combate político contra um grupo profissional de que há memória nos tempos mais recentes (convém não esquecer o braço-de-ferro da ex-ministra do PSD Leonor Beleza com os médicos, a propósito da prescrição de genéricos) – que só acalmou com o afastamento de Maria de Lurdes Rodrigues e a sua substituição por uma personalidade bastante mais serena e “simpática” aos olhos da opinião pública.

Os resultados foram, como todos sabemos, desastrosos, e a diversos níveis. Em termos políticos, levou José Sócrates a sofrer várias derrotas e um enorme desgaste; mas, em termos sociais, esta “guerra” teve também consequências que importa analisar: a união de um grupo enquanto corpo (recordando o conceito marxiano de “classe para si”), “esquecendo” as diferenças (especialmente) políticas (por quanto tempo?), forçado a responder (defender-se) a agressões simultâneas, vindas de várias direcções.

É que o ataque político desferido contra os professores resultou, também, na explosão de um mal-estar há muito latente (às vezes mais do que isso) no interior das escolas e na relação destas com a comunidade. Foi o escape “consentido” para a libertação de tensões sociais acumuladas. Os distúrbios sucederam-se a uma velocidade estonteante – assistimos, incrédulos, a relatos e vídeos no YouTube de alunos a agredir professores na sala de aula, pais a atacar violentamente docentes, violência descontrolada dentro e fora das escolas. Estava aberta a caixa de Pandora. Era já demasiado tarde para voltar atrás através de louvores aos bons professores, ou galardões para o melhor do ano.

A comunidade (uma parte dela), que durante anos acumulou frustrações e queixas de professores que “faltam às aulas”, “estão sempre em greve”, “ensinam mal”, “não querem saber dos miúdos” – só para citar as acusações mais frequentes que o senso comum transformou em dogma – reviu-se no estigma lançado pelos governantes e apoderou-se dele. O desfecho é por demais conhecido.

Qual o papel dos professores em todo este jogo social? Importa saber até que ponto são apenas vítimas da série de equívocos por que tem passado o sistema de ensino português, das políticas para o sector, da desestruturação social de alunos e suas famílias, do fechamento à comunidade. Apenas vítimas?

Há muito que académicos se dedicam ao estudo das questões de fundo subjacentes ao universo escolar, nomeadamente no âmbito da Sociologia da Educação. Entre os que têm obra recente merecem destaque Sérgio Grácio e José Manuel Resende, entre outros.

José Manuel Resende, sociólogo, investigador e professor na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (FCSH-UNL) publicou recentemente um interessantíssimo estudo, de enorme actualidade: A Sociedade Contra a Escola? A Socialização Política Escolar num Contexto de Incerteza.

Académico que tinha já dedicado a sua tese de Doutoramento precisamente aos professores (O engrandecimento de uma profissão: os professores do ensino secundário público no estado novo, Fundação Calouste Gulbenkian), analisa agora os processos de socialização política nas escolas secundárias.

Através do estudo de quatro escolas contrastantes entre si – social, cultural e geograficamente – José Manuel Resende analisa o papel social dos diferentes actores e a forma como cada um se vê e vê a escola. Em causa está não só a transmissão/recepção de saberes, mas também o trabalho que deve ser realizado no âmbito de uma Educação para a Cidadania, pela qual passa a socialização política.

Mas, como o estudo revela, a escola não tem evoluído como um espaço propício ao desenvolvimento dessa (sobretudo idealizada) cidadania activa (e a “responsabilidade” não pode ser apenas assacada aos governos de José Sócrates…).

A escola, enquanto arena pública de actuação de diferentes colectivos (recorde-se Thévenot e Boltanski), é, também, palco de disputas face às diferentes representações manifestadas pelos actores sociais internos (alunos, professores) e externos (pais, técnicos, políticos, meios de comunicação social), todos eles com visões, discursos e gramáticas diferentes e na maioria das vezes opostas.

Estas diferentes visões do mundo (e da vida) transportam uma “cultura escolar” a que os professores têm de dar resposta (fazer frente?) e para a qual não estão muitas vezes preparados – ao que não é alheio o sentimento de desânimo que perpassa pelas páginas do livro, fruto do conjunto de entrevistas realizadas a docentes (o guião da entrevista está em anexo).

Ao analisar a realidade destas quatro escolas enquanto modelo, José Manuel Resende aponta precisamente a divergência sociopolítica e educativa que os professores enfrentam.

“A Sociedade Contra a Escola?...” é sem dúvida um instrumento de reflexão para todos quantos se interessam pelo ensino e desejam perceber por que falha a escola enquanto local privilegiado de educação para a cidadania.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Leituras de férias

A leitura, Henri Fantin-Latour

Tradicionalmente, escolhem-se para as férias livros de leitura mais “leve”, seguindo uma linha de pensamento que trai a (minha) lógica.

Porque é precisamente no período de férias que estamos mais libertos de preocupações e compromissos profissionais e podemos dedicar atenção a livros cujo interesse vai além de um mero folhear ou de uma leitura superficial e fragmentada.

Entre os que guardei para estes dias especiais de lazer com tempo para reflexão contam-se (sem ordem estabelecida):

- Marx, Karl (2009), Crítica do Nacionalismo Económico, Lisboa, Antígona

- Pais, José Machado (2010), Lufa-Lufa Quotidiana – Ensaios sobre cidade, cultura e vida urbana, Lisboa, ICS

- Freire, João (org.) (2009), Trabalho e Relações Laborais, Lisboa, ICS

Resende, José Manuel (2010), A Sociedade Contra a Escola? A Socialização Política Escolar num Contexto de Incerteza, Lisboa, Instituto Piaget

- Granjo, Paulo (2004), «Trabalhamos sobre um Barril de Pólvora» – Homens e Perigo na Refinaria de Sines, Lisboa, ICS


E se trocássemos umas ideias sobre eles?

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Férias!



1 – O trabalhador tem direito, em cada ano civil, a um período de férias retribuídas, que se vence em 1 de Janeiro.

2 – O direito a férias, em regra, reporta-se ao trabalho prestado no ano civil anterior, mas não está condicionado à assiduidade ou efectividade de serviço.
3 – O direito a férias é irrenunciável e o seu gozo não pode ser substituído, ainda que com o acordo do trabalhador, por qualquer compensação, económica ou outra, sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo seguinte.

4 – O direito a férias deve ser exercido de modo a proporcionar ao trabalhador a recuperação física e psíquica, condições de disponibilidade pessoal, integração na vida familiar e participação social e cultural.

Artigo 237.º do Código do Trabalho

terça-feira, 13 de julho de 2010

Revisitar o passado


Baptista Bastos, na sua crónica de sexta-feira no Jornal de Negócios, recorda um escritor de quem gosto muito e que, infelizmente, é frequentemente esquecido: Fernando Namora.

Deu-me vontade de aproveitar as férias para mergulhar nos seus livros. Li quase toda a sua obra durante a juventude e imagens de alguns livros mantiveram-se vivas na minha memória até hoje, graças à sua enorme força narrativa.

Gosto especialmente de Casa da Malta, A Noite e a Madrugada, O Trigo e o Joio, Domingo à Tarde e, já inscrito numa outra fase da sua escrita, Rio Triste.

Como diz o BB na sua crónica – que vale a pena ler com atenção todas as semanas, não só pelas opiniões convictamente assumidas, mas sobretudo pelas lições de história e cultura com a mais-valia da sua finíssima prosa – Namora “pertenceu a uma época em que a cultura dispunha de poder, e a um grupo de intelectuais que tinha como objectivo realizar uma teoria de conjunto da injustiça social”.

Que diria hoje, se estivesse aqui?

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Esse admirável mundo global



Que a globalização é uma realidade não restam dúvidas. São por demais conhecidas (e sentidas) as suas consequências económicas e sociais.

Mas pouco se fala na globalização prática da ideologia neoliberal, que se reflecte no ataque continuado aos trabalhadores e aos socialmente mais frágeis e desprotegidos.

Começou de forma tímida e cirúrgica, insinuando-se num sussurro mais ou menos audível na opinião pública. Mas após a constatação de que os culpados pela crise financeira e económica ficam impunes e não houve ira popular capaz de fazer alterar o rumo político de países e instituições supranacionais como a União Europeia, troa cada vez mais alto – e impõe-se.

É como uma mancha de óleo a alastrar e a minar o oceano: atingiu os EUA, a União Europeia como um todo e a maioria dos seus Estados-membros individualmente.

Baseia-se em quatro ou cinco princípios que fazem toda a diferença:

1 – os trabalhadores ganham muito e têm demasiados direitos – logo, há que alterar as legislações laborais, tornando-as mais flexíveis e menos proteccionistas;

2 – os desempregados não trabalham porque não querem, preferem viver de subsídios – o subsídio de desemprego deve ser-lhes cortado e devem ser obrigados a trabalhar (quanto mais não seja a fazer trabalho comunitário, como em tempos se impôs a presos);

3 – os desequilíbrios orçamentais dos Estados devem-se, em grande parte, aos generosos apoios sociais a idosos, crianças, carenciados e toda essa “cáfila” que vive à conta do Estado – emagreça-se o Estado, reduzam-se e acabe-se com os apoios sociais, aumente-se os impostos;

4 – os serviços públicos funcionam mal, são ineficazes e saem caros – privatize-se tudo, da saúde à educação, das comunicações aos correios, da água ao lixo;

5 – o Estado não deve intervir na economia – deixemos o mercado funcionar livremente, está mais uma vez provado que sabe o que faz… para sair, sempre, a ganhar.

O cidadão comum sente as consequências da aplicação desta ideologia, e muitas vezes acredita que ela é inevitável e até a apoia. Os ideólogos de serviço cumprem bem o seu papel, dispondo de uma eficaz plataforma de media para difundi-la.

Mas ainda há especialistas a alertar para a situação. Assim se queira ouvir… e agir.
Como o Nobel da Economia de 2008 Paul Krugman, que na sua coluna de opinião no The New York Times que o jornal i hoje reproduz acusa os republicanos norte-americanos de advogarem o castigo dos desempregados:

“Ainda há quem tenha a ideia de que os desempregados o são por opção, para poderem viver sem trabalhar. Quem o diz já não é impiedoso, é verdadeiramente estúpido.”

Vale a pena ler todo o artigo, intitulado precisamente “Castigar os desempregados”.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Até sempre, Saramago



Ao escritor que tão bem retratou as muitas formas de trabalho e ao homem sempre empenhado na defesa dos trabalhadores e na denúncia da exploração, um adeus sentido.

Até sempre, Saramago!
Obrigado.

terça-feira, 15 de junho de 2010

Entre o local e o global

Florival Lança, desde 1993 responsável pelo pelouro de relações internacionais da CGTP, publicou recentemente “Inter Nacional” (edição da Profedições), um livro em que explica a sua cisão com a central sindical devido à não adesão à Confederação Sindical Internacional (CSI), a maior e mais representativa organização representativa de trabalhadores, e que acabou por ditar o seu afastamento.

Num dos debates de lançamento do livro, Florival, com a coloquialidade que lhe é característica, recordou o momento em que assumiu o cargo, substituindo José Luís Judas que abandonava a central em ruptura com a linha dirigente, face às suas posições no seio do PCP. “Comigo não havia desvio, eu era um operário. Foi por isso que me confiaram a responsabilidade pelas relações internacionais”, afirmou com toda a frontalidade.

Desse período de iniciação nos meandros das relações com o exterior, o sindicalista manteve significativamente presente a interrogação do pai, também ele um operário metalúrgico: “Em que é que isso ajuda os metalúrgicos?”, questionou-o.

“Nessa altura não consegui encontrar nenhum exemplo que satisfizesse o meu pai, não consegui fugir a abstracções”, recordou há dias.

Esta confidência de um sindicalista de longa data, com décadas de forte empenhamento em lutas à escala nacional e internacional, é paradigmática da encruzilhada em que se encontra o movimento sindical, simultaneamente confrontado com reivindicações locais e regras e mercados mundiais.

O trabalho sempre teve um papel central nas sociedades capitalistas. Mas no actual mundo globalizado e em acelerada transformação social essa centralidade, nos moldes em que a conhecemos, está a ser posta em causa.

A compressão do tempo e do espaço provocada pela globalização gera novas formas de trabalho que desregulamentam e flexibilizam os modelos de relações sociais de produção. Esta lógica de imprevisibilidade e instabilidade dá ao trabalho um carácter de transitoriedade e provoca uma insegurança a que os trabalhadores da classe média não estavam habituados e à qual não sabem responder.

Este é um desafio cada vez mais frequente numa batalha desigual. E a força de trabalho está a perder – não tenhamos dúvidas. Não tanto pela crise mas pelas suas consequências: mais neoliberalismo, mais flexibilização do mercado de trabalho, destruição da legislação laboral, desmantelamento do Estado social.

Nunca os defensores do neoliberalismo na União Europeia conseguiram tanto em tão pouco tempo: a uniformização da precariedade e o desmantelamento do modelo social europeu. Em matérias de direitos sociais e laborais, a Europa retrocede ao século XIX. Como alerta Paulo Sucena no preâmbulo, “os neoliberais vêem os trabalhadores que se mantêm, mesmo que minimamente, protegidos da desregulação do emprego como ‘privilegiados’ enquanto denunciam os direitos sindicais e as convenções colectivas como fortes entraves à ‘livre concorrência entre agentes económicos’”.

Defende Florival Lança, aliás como muitos outros, que é urgente unir esforços; criar dinâmicas de luta global, de forma a que os sindicatos possam simultaneamente dar resposta aos anseios específicos dos seus trabalhadores e a encontrar formas de acção e concertação internacionais. Mas unir esforços implica, sobretudo, uma mudança de mentalidades.

E como Florival Lança denuncia, com alguma mágoa, nem todos estão preparados para a mudança, que muitas vezes obrigará a aceitar desvios em nome dos objectivos finais. “Não é pelos projectos que a CGTP-IN se deve filiar internacionalmente na CSI. É pela solidariedade internacional que tanto defende e que ocupa um lugar destacado no seu ideário”, explica, acrescentando que “é pelo reforço das posições combativas no interior da maior organização mundial de trabalhadores”.

Não foi essa a opção da central, que internacionalmente tem preferido aliar-se pontualmente à Federação Sindical Mundial (que desde o desmoronar do bloco de Leste é essencialmente integrada por centrais de países que praticam o chamado “sindicalismo de Estado”) e, a nível europeu, filiar-se Confederação Europeia de Sindicatos (CES).

Florival Lança afastou-se da sua central de sempre. Resta-lhe hoje, entre muitas vitórias e derrotas em prol dos trabalhadores, exemplos concretos para responder à pergunta do pai. Citou-os quando apresentou “Inter Nacional”: o trabalho do comité de empresa europeu da AutoEuropa, ou a luta na Ford da Azambuja, que embora não tenha resultado para já acabará por dar os seus frutos, ao ter originado uma greve em todos os países onde a multinacional está instalada.

"Proletários de todos os países, uni-vos!” Marx dixit.

terça-feira, 1 de junho de 2010

O trabalho e a vida no Prémio Camões


Ferreira Gullar

O poeta e dramaturgo brasileiro Ferreira Gullar foi ontem galardoado com o Prémio Camões 2010.


Ao longo dos seus 80 anos, o também jornalista, crítico de arte e ensaísta tem-se destacado pela actividade cívica e política e pela sua posição ética perante a vida e os outros.


E porque a poesia é trabalho e o trabalho deste poeta tem lembrado (e honrado) os que trabalham, Ferreira Gullar cabe neste blogue, como o homem sem estômago e a mulher de nuvens cabem no seu poema.


Celebremos o prémio com dois poemas sobre homens de estômago vazio a lutar pelo preço ajustado…

João Boa Morte
Cabra Marcado para Morrer

Essa guerra do Nordeste
não mata quem é doutor.
Não mata dono de engenho,
só mata cabra da peste,
só mata o trabalhador.
O dono de engenho engorda,
vira logo senador.

Não faz um ano que os homens
que trabalham na fazenda
do Coronel Benedito
tiveram com ele atrito
devido ao preço da venda.
O preço do ano passado
já era baixo e no entanto
o coronel não quis dar
o novo preço ajustado.

João e seus companheiros
não gostaram da proeza:
se o novo preço não dava
para garantir a mesa,
aceitar preço mais baixo
já era muita fraqueza.
"Não vamos voltar atrás.
Precisamos de dinheiro.
Se o coronel não quer dar mais,
vendemos nosso produto
para outro fazendeiro."

Com o coronel foram ter.
Mas quando comunicaram
que a outro iam vender
o cereal que plantaram,
o coronel respondeu:
"Ainda está pra nascer
um cabra pra fazer isso.
Aquele que se atrever
pode rezar, vai morrer,
vai tomar chá de sumiço".


Não há vagas

O preço do feijão
não cabe no poema. O preço
do arroz
não cabe no poema.
Não cabem no poema o gás
a luz o telefone
a sonegação
do leite
da carne
do açúcar
do pão

O funcionário público
não cabe no poema
com seu salário de fome
sua vida fechada
em arquivos.
Como não cabe no poema
o operário
que esmerila seu dia de aço
e carvão
nas oficinas escuras

- porque o poema, senhores,
está fechado:
"não há vagas"

Só cabe no poema
o homem sem estômago
a mulher de nuvens
a fruta sem preço

O poema, senhores,
não fede
nem cheira

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Sindicalização: uma (enorme) interrogação


Bruno Pacheco, Happy hour

Os estudos, se outros méritos não tivessem, têm pelo menos o de nos mostrarem certas realidades e obrigar-nos a reflectir sobre elas.

Já aqui coloquei por diversas vezes e sob diversos enfoques a questão da sindicalização. Dois novos estudos levam-me a regressar à questão, sem reflexões mas, sobretudo, muitas interrogações.

Um desses estudos é nacional e foi realizado por um investigador e docente do ISCTE, Paulo Pereira de Almeida. Trata-se, como o autor refere, de “uma análise do sindicalismo de serviço, o benchmarking de boas-práticas”. Elaborado sob encomenda da União dos Sindicatos Independentes (USI), o estudo deu origem a um livro recentemente publicado com o sugestivo título O Sindicato-Empresa.

Depreende-se (eu depreendi) das notas introdutórias que as conclusões surpreenderam quer o autor, quer o solicitante (Afonso Pires Diz, dirigente da USI), por serem de sentido contrário ao esperado.

Voltarei em breve a este livro. Por agora, interessa-me sublinhar uma das suas principais conclusões: “O presente trabalho permite concluir que 65% dos trabalhadores portugueses se considera globalmente satisfeito com a actuação dos Sindicatos. Por seu turno, apenas 31% dos trabalhadores portugueses manifestam a sua global insatisfação com os Sindicatos.” (Almeida, 2009: 99).

Um outro estudo, este internacional, divulgado há dias pelo Eurofound (Fundação Europeia para a Melhoria das Condições de Vida e de Trabalho), Trade unions across Europe tackle declining membership and density levels head-on, compara os níveis de sindicalização e a representatividade nos 27 Estados-membros da UE, juntando-lhe a Noruega.

Refira-se que genericamente é no sector público que os sindicatos têm maior número de filiados e, consequentemente, mais representatividade.

No entanto, na maioria dos países os sindicatos estão em declínio, embora o estudo revele que tal tendência não é uniforme, sendo possível identificar três grupos distintos: um, de pelo menos uma tendência positiva (em adesão ou densidade), composto por Chipre, Itália, Irlanda, Luxemburgo, Espanha e Noruega; o segundo, de manutenção do status quo, com movimentação de pouco relevância, onde se incluem os países nórdicos (Dinamarca, Finlândia e Suécia), França, Malta, Eslovénia e Reino Unido; por fim, um terceiro grupo, de tendência negativa, em que diminuiu consideravelmente nos últimos anos tanto a filiação como a densidade sindical, integra os oito países de Europa Central e Oriental. A Bélgica é o único Estado-membro da UE com uma evolução positiva em ambos os parâmetros.

No caso de Portugal, são visíveis dados negativos nas duas variáveis:

Trade union membership and density, 1990–2007

1990

1995

2000

2005

2007

Trade union membership (in thousands)

1,200

960

940

920

900

Trade union density (%)

38

30

25

24

24

Salaried workers (in thousands)

3,169(1991)

3,794 (2001)

Source: Trade union membership estimates by the author; numbers of salaried workers based on Censos data for 1991 and 2001, issued by Statistics Portugal (Instituto Nacional de Estatística, INE)

O estudo apresenta as estratégias que têm sido seguidas pelas duas centrais sindicais nacionais (CGTP, UGT) e respectivos sindicatos para tentar inverter a actual tendência de queda. Sem esquecer, numa referência, os sindicatos independentes, de grupos ou categorias profissionais, corporativos. O caso mais paradigmático é o Sindicato dos Quadros e Técnicos Bancários (SNQTB), principal pilar da USI.

A questão que trago para reflexão é esta: se a generalidade dos trabalhadores portugueses tem uma opinião positiva sobre a actuação dos sindicatos por que sistematicamente diminui a filiação?

É claro – e já o referimos neste blogue por mais de uma vez – há razões conjunturais e estruturais que o explicam: o desemprego e precariedade das relações laborais, a crescente diferenciação interna da classe média assalariada e consequente fragilização da acção colectiva, a heterogeneidade e des-standardização das formas de trabalho que propiciam o individualismo…
Esta dinâmica social e sobretudo laboral que se acentuou nas últimas décadas obrigou os sindicatos – ou alguns sindicatos – a responderem a uma multiplicidade de desafios, na contratação colectiva e não só.

Os dois estudos aqui citados confirmam-no. O estudo de Paulo Pereira de Almeida salienta a importância dada pelos trabalhadores “ao modelo de sindicalismo de serviço, e concretamente aos serviços prestados pelos Sindicatos que são mais valorizados pelos trabalhadores portugueses”: apoio judicial (23,2%), apoio na saúde (16,6%), formação e desenvolvimento de cursos (14,3%) (Almeida, 2009: 100).

(Apenas uma nota: pessoalmente discordo da interpretação de que este modelo seja uma “originalidade” dos sindicatos independentes – os sindicatos dos bancários da UGT adoptaram este modelo muito antes do aparecimento dos sindicatos independentes que constituem a USI.)

No caso da análise comparada efectuada pelo Eurofound, os exemplos experienciados por diferentes sindicatos de diferentes países dão algumas pistas sobre o que pode ser feito – alguns revelaram-se bem sucedidos e capazes de manter a situação e/ou suster a queda.

Mas tudo isto leva-me ao princípio: por que não resultam essas estratégias em Portugal, um país onde a maioria dos trabalhadores afirma estar satisfeito com a actuação dos sindicatos?

terça-feira, 27 de abril de 2010

Comemoramos o quê?


Kasimir Malevich

No próximo sábado, na rua ou comodamente em casa, uma parte do País (e do mundo) comemora o 1º de Maio, Dia do Trabalhador.


Vale a pena recordar que neste dia comemora-se a manifestação de trabalhadores de Chicago, que em 1886 reivindicavam a redução da jornada de trabalho para 8 horas diárias. Como sabemos, a luta então iniciada terminou com uma carga policial, dezenas de mortos e de feridos.


Em 1889, a Internacional Socialista decidiu convocar anualmente uma manifestação para o dia 1 de Maio, com o objectivo de conquistar as 8 horas diárias de trabalho.


Em 1890, o Congresso dos EUA aprova a redução da jornada de trabalho de 16 para 8 horas diárias.


Na Europa, em 1891, no norte de França, a manifestação do 1º de Maio é dispersada pela polícia – com a correspondente dezena de mortes.


Só em 1919, a 23 de Abril, o Senado francês ratifica a jornada laboral de 8 horas diárias. E o 1º de Maio é proclamado feriado.


É também em 1919 que em Portugal é consagrada na lei a jornada de 8 horas – mas apenas para os trabalhadores do comércio e da indústria. Os assalariados agrícolas continuarão a trabalhar de sol a sol.


E só a partir de 1974 o 1º de Maio pode ser festejado.


Eis-nos chegados a 2010. O Código do Trabalho estipula que o horário de trabalho em Portugal não pode ultrapassar as 8 horas diárias e as 40 horas semanais.


Mas, graças às nuances legais criadas – do regime de adaptabilidade ao banco de horas – a jornada diária pode atingir as 10 horas e a semana prolongar-se até às 50 horas.


Mesmo assim, eufemismos. Quanto de nós não são diariamente pressionados para trabalhar 10, 12, 14 horas? Sem outra compensação que não seja a tentativa desesperada de preservar o posto de trabalho…


Cento e vinte anos depois, vamos comemorar o quê? O regresso à jornada de trabalho de sol a sol? Sem protestos e com o beneplácito de (quase) todos.


Sinal dos tempos?


terça-feira, 20 de abril de 2010

Parabéns srª Ministra!


"Na vida moderna e nas sociedades modernas, o trabalho a tempo parcial e o trabalho temporário fazem parte daquilo que é a realidade das nossas sociedades. Portanto, não vejo porque é que os Estados, enquanto empregadores, também não podem utilizar esse tipo de possibilidades que lhe são oferecidas, desde que sejam dentro da legalidade."
Helena André, ministra do Trabalho e da Solidariedade Social, in TSF online, 20-4-2010

segunda-feira, 12 de abril de 2010

França ou o paradigma da indecência




Chegam-nos novamente notícias dramáticas de França: mais três casos de suicídio de trabalhadores, desta vez na Eurodisney.

Depois da sucessão de mortes na Renault e na France Telecom, o desespero chegou agora aos trabalhadores do parque de diversões. O Sindicato Force Ouvrière (FO) na empresa denunciou o caso do chefe de cozinha do restaurante California Grill que pôs fim à vida no dia em que, finda a baixa médica, teria de regressar ao trabalho, adiantando que o drama está relacionado com as condições de trabalho a que estava sujeito: horários prolongados, stress, falta de pessoal e uma enorme pressão para que os resultados aumentassem.

Segundo o comunicado da FO, o chefe de cozinha, de 37 anos e pai de quatro crianças, pediu insistentemente a transferência para outro estabelecimento do grupo, pois não conseguia conciliar a vida profissional com a familiar. Não foi atendido pela empresa.

Foi o terceiro trabalhador da Eurodisney a suicidar-se desde o início do ano. O parque de diversões perdeu a graça, pelo menos para os trabalhadores.

Se nos lembrarmos dos casos anteriores, verificamos que os suicídios acontecem em empresas de sectores tão diferentes como o são a indústria automóvel, as telecomunicações e a restauração; que as vítimas desempenhavam diferentes funções, possuíam diferentes qualificações e detinham diferentes status laboral e social.

Em comum, o modelo de organização do trabalho, assente em medidas de flexibilidade quantitativa e qualitativa, interna e externa – dos horários de trabalho aos regimes contratuais, da adaptação funcional ao tipo de remuneração – e o aparentemente consequente modelo de gestão de pessoal: ritmos de trabalho intensos, controlo dos tempos de pausa, pressão diária das chefias, ambiciosos objectivos impostos nos ganhos de produtividade, desumanização das relações no seio da empresa…

Sendo este modelo de organização do trabalho comum (pelo menos) à maioria das empresas dos países de economia capitalista, um novo exemplo – a Eurodisney – levanta-me uma série de questões:

- por que só os trabalhadores franceses sucumbem aos seus efeitos?
- dentro de um modelo “canibal” de relações laborais comum serão as empresas francesas mais “assassinas”?

Ou, pelo contrário:

- serão os sindicatos franceses mais actuantes na denúncia pública dos casos?
- será a comunicação social francesa mais sensível a este drama laboral, divulgando os casos de suicídios e por isso só estes chegam ao nosso conhecimento?

terça-feira, 6 de abril de 2010

Marx dixit


A pretexto da actual crise mundial, muitas foram as reflexões e opiniões vindas a público sobre o modelo económico dominante.
Leram-se e ouviram-se muitas críticas ao modelo capitalista e à subjacente ideologia neoliberal, que teriam sido desvirtuados pelos excessos do mercado e redundando na severa crise (o quão severa é também tem dado azo a interpretações).
Curiosamente, a maioria dessas opiniões contém, mais ou menos implícita, a crítica a um modelo alternativo – qualquer que ele seja. E não é por acaso que após o abalo sísmico que colocou Estados à beira da falência, provocou milhões de desempregados em todo o mundo e fez disparar os níveis de pobreza e exclusão social, os opinadores do regime se sentem novamente confortáveis para defender a manutenção do sistema e oporem-se abertamente a alterações em matéria de supervisão financeira, ao fim dos offshores ou à taxação das mais-valias bolsistas.
Igualmente curioso é verificar que de forma mais ou menos elaborada, com maior ou menor suporte teórico, o modelo capitalista é defendido por oposição… ao marxismo, sinónimo de caos, fim da sociedade de consumo a que nos habituámos. É o regresso à guerra fria na forma mais primária.
No combate ideológico vale tudo? Talvez. Mas o mínimo que se exige é honestidade intelectual.
Por isso irrita-me que no calor da discussão (tomemo-lo assim), se tomem juízos de valor por conhecimento. Nem toda a gente poderá ter tido oportunidade e vontade para ler Marx. É natural. Mas o mínimo que se exige a quem opina é que não tente confundir quem não leu com deturpações de conceitos.
Não há nada como ir às fontes primárias (enfim, às traduções, inclusive em português). Mas para quem não quer ler obras como Teses sobre Feuerbach, O Manifesto do Partido Comunista, O 18 de Brumário de Louis Bonaparte, O Capital, Trabalho Assalariado e Capital, Para a Crítica da Economia Política ou Salário, Preço e Lucro, sugiro um pequeno livrinho: Les 100 Mots du Marxisme. Numa centena de páginas, Gérard Duménil, Michael Löwy e Emmanuel Renault dão conta dos principais conceitos, de forma concisa e clara.
O livro compra-se em qualquer quiosque de Paris por 9€ e também online, através da amazon.fr, onde está disponível a partir de 5,40€.

sábado, 3 de abril de 2010

Para que serve um sindicato?


Assisti recentemente, como observadora, a uma reunião de um órgão de um sindicato.

Em determinado momento da discussão, um elemento da estrutura relatou que vários sócios tinham desistido da sua vinculação ao sindicato alegando que outras associações congéneres ofereciam mais benefícios em áreas sociais, com destaque especial para o seguro de saúde.

O sindicalista prosseguiu, adiantando que os ex-sócios, quando questionados sobre a razão do abandono, teriam até confessado a sua satisfação com o trabalho desenvolvido pelo sindicato em matéria de contratação colectiva, mas isso não era suficiente para a manutenção da filiação quando comparavam as regalias na saúde oferecidas pela concorrência sindical.

O relato levou-me uma vez mais a uma questão primordial que tem ocupado muito do meu estudo e reflexão: para que serve um sindicato? Ou, de forma mais concreta, o que querem os trabalhadores de um sindicato?

Com o triunfo do liberalismo, desde os anos 80 do século passado que os sindicatos enfrentam grandes dificuldades, mesmo ao nível da sindicalização. Aos factores externos – como o desemprego, as reestruturações empresariais, a recomposição do tecido económico, a mobilidade dos trabalhadores ou a individualização dos salários, como lembra Boltanski – juntaram-se factores internos cujos efeitos não têm sido menos corrosivos.

Mutações que têm obrigado os sindicatos a alterarem o seu papel, tentando evoluir nas suas práticas e reivindicações de forma a acompanhar a evolução estrutural dos sectores em que intervêm.

A negociação colectiva tem sido o domínio por excelência da intervenção sindical, numa lógica de efectivação da “democracia” nas relações industriais de que fala J. Freire. E se durante anos se verificou um respeito de ambas as partes pelo cumprimento, pelo menos formal, desse direito/dever, recentemente a negociação tem sido posta em causa pelo lado mais forte da equação – situação a que não é alheia a alteração legislativa introduzida pelo Código do Trabalho.
Esse formalismo processual tem sido posto em causa até pelo próprio governo, nas mesas negociais onde actua como empregador, face aos sindicatos dos vários grupos profissionais da administração pública – basta recuar ao primeiro governo de José Sócrates e ao célebre conflito com os professores.

A dinâmica social e sobretudo laboral das últimas décadas obrigou os sindicatos – ou alguns sindicatos – a responderem a uma multiplicidade de desafios na contratação colectiva. Às sempre presentes reivindicações salariais, de horários, condições de trabalho…, juntaram-se as correspondentes às novas formas de organização do trabalho como polivalência de funções, adaptabilidade, mobilidade geográfica, isenção de horários – para já não falar na panóplia de precariedades por que os novos tempos se caracterizam.

Para responder à pressão das novas formas de organização do trabalho os sindicatos têm tentado adoptar diferentes estratégias de negociação.

A questão que se coloca – e que o relato do sindicalista voltou a suscitar-me – é saber se a prática sindical tem sido conforme às aspirações dos trabalhadores.

Ou seja, que pretendem hoje os trabalhadores portugueses dos seus sindicatos? Uma intervenção maximalista, forte ao nível da negociação colectiva, através de uma convenção colectiva de trabalho de amplo espectro e da fiscalização da aplicação das normas contratuais; ou uma intervenção minimalista, fraca ao nível da negociação colectiva, através de uma convenção colectiva que fixe apenas princípios gerais e deixando espaço às negociações individuais empregador/trabalhador, e apostando na prestação de uma gama de serviços aos associados?

O conceito de intervenção sindical não é alheio a uma ideologia. Eis algumas dimensões e respectivos indicadores que podem influir na decisão da opção sindical.

Conceito de intervenção sindical

Conceito

Dimensão

Indicadores

intervenção sindical

negociação

colectiva

aumentos salariais

carreira profissional

horários

de trabalho

condições de trabalho

benefícios sociais

É através da negociação colectiva que os sindicatos tentam obter benefícios sociais, materiais e de satisfação profissional para os seus associados.

Conceito

Dimensão

Indicadores

intervenção sindical

Ideologia

partilha de valores

sentimento de pertença a

uma comunidade de classe

sentimento de oposição a

outra classe

partilha de um ideário de

reivindicação e luta


A percepção de pertença ao grupo, através da partilha de valores e interesses reforça a sua coesão e participação.

Conceito

Dimensão

Indicadores

intervenção sindical

prestação de serviços

lazer

cultura

desporto

apoio jurídico

saúde

formação

profissional

O alargamento do papel dos sindicatos à prestação de serviços é assumido como uma forma de captar e fidelizar associados, uma vez que os direitos e regalias conquistados na negociação colectiva são extensivos também aos não sindicalizados.

Conceito

Dimensão

Indicadores

intervenção sindical

forma de posicionamento

cooperação

e parceria

conflito

e luta

fiscalização

e denúncia

Cada sindicato opta pela forma de posicionamento face aos empregadores que considera mais eficaz para alcançar aos seus objectivos e revindicações. No entanto, as formas de posicionamento não são mutuamente exclusivas, ou seja, um sindicato pode alterar a sua actuação consoante o momento e o objectivo. A forma habitual de posicionamento está também relacionada com a percepção da representação desejada pelos associados e da capacidade de mobilização da classe.