sábado, 3 de abril de 2010

Para que serve um sindicato?


Assisti recentemente, como observadora, a uma reunião de um órgão de um sindicato.

Em determinado momento da discussão, um elemento da estrutura relatou que vários sócios tinham desistido da sua vinculação ao sindicato alegando que outras associações congéneres ofereciam mais benefícios em áreas sociais, com destaque especial para o seguro de saúde.

O sindicalista prosseguiu, adiantando que os ex-sócios, quando questionados sobre a razão do abandono, teriam até confessado a sua satisfação com o trabalho desenvolvido pelo sindicato em matéria de contratação colectiva, mas isso não era suficiente para a manutenção da filiação quando comparavam as regalias na saúde oferecidas pela concorrência sindical.

O relato levou-me uma vez mais a uma questão primordial que tem ocupado muito do meu estudo e reflexão: para que serve um sindicato? Ou, de forma mais concreta, o que querem os trabalhadores de um sindicato?

Com o triunfo do liberalismo, desde os anos 80 do século passado que os sindicatos enfrentam grandes dificuldades, mesmo ao nível da sindicalização. Aos factores externos – como o desemprego, as reestruturações empresariais, a recomposição do tecido económico, a mobilidade dos trabalhadores ou a individualização dos salários, como lembra Boltanski – juntaram-se factores internos cujos efeitos não têm sido menos corrosivos.

Mutações que têm obrigado os sindicatos a alterarem o seu papel, tentando evoluir nas suas práticas e reivindicações de forma a acompanhar a evolução estrutural dos sectores em que intervêm.

A negociação colectiva tem sido o domínio por excelência da intervenção sindical, numa lógica de efectivação da “democracia” nas relações industriais de que fala J. Freire. E se durante anos se verificou um respeito de ambas as partes pelo cumprimento, pelo menos formal, desse direito/dever, recentemente a negociação tem sido posta em causa pelo lado mais forte da equação – situação a que não é alheia a alteração legislativa introduzida pelo Código do Trabalho.
Esse formalismo processual tem sido posto em causa até pelo próprio governo, nas mesas negociais onde actua como empregador, face aos sindicatos dos vários grupos profissionais da administração pública – basta recuar ao primeiro governo de José Sócrates e ao célebre conflito com os professores.

A dinâmica social e sobretudo laboral das últimas décadas obrigou os sindicatos – ou alguns sindicatos – a responderem a uma multiplicidade de desafios na contratação colectiva. Às sempre presentes reivindicações salariais, de horários, condições de trabalho…, juntaram-se as correspondentes às novas formas de organização do trabalho como polivalência de funções, adaptabilidade, mobilidade geográfica, isenção de horários – para já não falar na panóplia de precariedades por que os novos tempos se caracterizam.

Para responder à pressão das novas formas de organização do trabalho os sindicatos têm tentado adoptar diferentes estratégias de negociação.

A questão que se coloca – e que o relato do sindicalista voltou a suscitar-me – é saber se a prática sindical tem sido conforme às aspirações dos trabalhadores.

Ou seja, que pretendem hoje os trabalhadores portugueses dos seus sindicatos? Uma intervenção maximalista, forte ao nível da negociação colectiva, através de uma convenção colectiva de trabalho de amplo espectro e da fiscalização da aplicação das normas contratuais; ou uma intervenção minimalista, fraca ao nível da negociação colectiva, através de uma convenção colectiva que fixe apenas princípios gerais e deixando espaço às negociações individuais empregador/trabalhador, e apostando na prestação de uma gama de serviços aos associados?

O conceito de intervenção sindical não é alheio a uma ideologia. Eis algumas dimensões e respectivos indicadores que podem influir na decisão da opção sindical.

Conceito de intervenção sindical

Conceito

Dimensão

Indicadores

intervenção sindical

negociação

colectiva

aumentos salariais

carreira profissional

horários

de trabalho

condições de trabalho

benefícios sociais

É através da negociação colectiva que os sindicatos tentam obter benefícios sociais, materiais e de satisfação profissional para os seus associados.

Conceito

Dimensão

Indicadores

intervenção sindical

Ideologia

partilha de valores

sentimento de pertença a

uma comunidade de classe

sentimento de oposição a

outra classe

partilha de um ideário de

reivindicação e luta


A percepção de pertença ao grupo, através da partilha de valores e interesses reforça a sua coesão e participação.

Conceito

Dimensão

Indicadores

intervenção sindical

prestação de serviços

lazer

cultura

desporto

apoio jurídico

saúde

formação

profissional

O alargamento do papel dos sindicatos à prestação de serviços é assumido como uma forma de captar e fidelizar associados, uma vez que os direitos e regalias conquistados na negociação colectiva são extensivos também aos não sindicalizados.

Conceito

Dimensão

Indicadores

intervenção sindical

forma de posicionamento

cooperação

e parceria

conflito

e luta

fiscalização

e denúncia

Cada sindicato opta pela forma de posicionamento face aos empregadores que considera mais eficaz para alcançar aos seus objectivos e revindicações. No entanto, as formas de posicionamento não são mutuamente exclusivas, ou seja, um sindicato pode alterar a sua actuação consoante o momento e o objectivo. A forma habitual de posicionamento está também relacionada com a percepção da representação desejada pelos associados e da capacidade de mobilização da classe.

6 comentários:

  1. Mais uma vez estás de parabéns pela excelente reflexão.

    Sou uma naba neste assunto portanto só posso dizer que fiquei muito mais dentro do assunto depois de ler este post.

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  2. Olá.

    Parabéns pelo blog, está excelente!

    Termino com uma ousadia: abraços!

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  3. Parabéns pelo regresso. Com tão longo silêncio cheguei a temer que fosse o fim do blog, o que muito lamentava. Mas o regresso foi em forma! Valeu a pena esperar!

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  4. Caros I, Zen e Anónimo,
    Obrigado pelas simpáticas palavras, motivam a vontade de reflectir em conjunto.
    O ritmo de trabalho, como tantas vezes é denunciado, também me afecta - e não poucas vezes. Assoberbada, faltou-me o tempo e a vontade. Espero não voltar a ficar tanto tempo fora de circuito.

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  5. Em tempo de afundamento dos sindicatos, nuns casos por culpa dos principais interessados (os trabalhadores ou workers), noutros por interposição de patrões e governos, só resta saudar toda e qualquer reflexão.
    Neste caso, sobressai o individualismo em detrimento do colectivo, a falta de visão do futuro, a incapacidade de distinguir o inimigo (ou pelo menos adversário). É que somos maus, não só como assalariados, mas principalmente como cidadãos - e aqui estará o cerne da questão. O mau cidadão leva a falta de qualidade para a família, para a rua, para a amizade...
    Poderá haver sindicato que resista, quando no interior do movimento organizativo dos trabalhadores várias forças se digladiam, já não somente a nível ideológico, mas também na estratégia de markerting - como melhor vender o produto. Ou seja, qual, por exemplo, o melhor cartão de saúde, esquecendo a luta conjunta por mais apoio (nesta como noutras áreas) geral. Independentemente de cada classe, grupo profissional, ou mesmo indivíduo (onde o contrato individual se impõe) tentar puxar para cima as suas próprias regalias. E é de não esquecer (se alguém se lembra), que não sendo matéria de venda marketeira, um sindicato até pode dar jeito quando se negoceia individualmente.

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  6. Caro Batatinha,
    O seu comentário centra a nossa reflexão conjunta na questão essencial: o individualismo que tem minado - e continua a minar - a acção colectiva. Sem sentimento de pertença - não necessariamente de classe - dificilmente um sindicato porderá ser mais do que uma organização prestadora de serviços.

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