segunda-feira, 12 de abril de 2010

França ou o paradigma da indecência




Chegam-nos novamente notícias dramáticas de França: mais três casos de suicídio de trabalhadores, desta vez na Eurodisney.

Depois da sucessão de mortes na Renault e na France Telecom, o desespero chegou agora aos trabalhadores do parque de diversões. O Sindicato Force Ouvrière (FO) na empresa denunciou o caso do chefe de cozinha do restaurante California Grill que pôs fim à vida no dia em que, finda a baixa médica, teria de regressar ao trabalho, adiantando que o drama está relacionado com as condições de trabalho a que estava sujeito: horários prolongados, stress, falta de pessoal e uma enorme pressão para que os resultados aumentassem.

Segundo o comunicado da FO, o chefe de cozinha, de 37 anos e pai de quatro crianças, pediu insistentemente a transferência para outro estabelecimento do grupo, pois não conseguia conciliar a vida profissional com a familiar. Não foi atendido pela empresa.

Foi o terceiro trabalhador da Eurodisney a suicidar-se desde o início do ano. O parque de diversões perdeu a graça, pelo menos para os trabalhadores.

Se nos lembrarmos dos casos anteriores, verificamos que os suicídios acontecem em empresas de sectores tão diferentes como o são a indústria automóvel, as telecomunicações e a restauração; que as vítimas desempenhavam diferentes funções, possuíam diferentes qualificações e detinham diferentes status laboral e social.

Em comum, o modelo de organização do trabalho, assente em medidas de flexibilidade quantitativa e qualitativa, interna e externa – dos horários de trabalho aos regimes contratuais, da adaptação funcional ao tipo de remuneração – e o aparentemente consequente modelo de gestão de pessoal: ritmos de trabalho intensos, controlo dos tempos de pausa, pressão diária das chefias, ambiciosos objectivos impostos nos ganhos de produtividade, desumanização das relações no seio da empresa…

Sendo este modelo de organização do trabalho comum (pelo menos) à maioria das empresas dos países de economia capitalista, um novo exemplo – a Eurodisney – levanta-me uma série de questões:

- por que só os trabalhadores franceses sucumbem aos seus efeitos?
- dentro de um modelo “canibal” de relações laborais comum serão as empresas francesas mais “assassinas”?

Ou, pelo contrário:

- serão os sindicatos franceses mais actuantes na denúncia pública dos casos?
- será a comunicação social francesa mais sensível a este drama laboral, divulgando os casos de suicídios e por isso só estes chegam ao nosso conhecimento?

9 comentários:

  1. Enquanto lia o post só pensava mas porque é que só os trabalhadores franceses se suicidam? Não sei se alguma vez vamos descobrir uma resposta mas uma coisa é certa, é obvio que este modelo de trabalho só funciona para os patrões.

    Já agora, esta frase ficou muito engraçada: "O parque de diversões perdeu a graça, pelo menos para os trabalhadores."

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  2. Seria muito interessante saber o que se passa em França. Aliás, estou a ver se consigo uma resposta junto dos serviços oficiais franceses. O organismo sobre saúde laboral deverá ter dados sobre a questão. No entanto, isso não nos diz o que se passa nos outros países.

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  3. Talvez a ideia republicana de trabalho não case bem com a realidade. A verdade é que, sendo este um povo que escolhe eleitoralmente mais à direita do que à esquerda, a sua prática de vida parece mais exigente do que a ideologia. Claro que quando a cabeça não vai bem é o corpo que paga. Como se vê!

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  4. Caro Batatinha,
    Concordo consigo. A tradição cultural do povo francês, todo o seu passado histórico, poderá ser também um elemento catalisador desta reacção extrema às condições de trabalho.

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  5. Tenho seguido a questão e achei interessante este debate inesperado, neste blogue. Por mim, sempre tenho estranhado que sejam só homens a dar o corpo ao manifesto, ou seja, a suicidar-se. O que se passa com os franceses que às francesas passa ao largo? Será apenas coincidência?

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  6. As questões colocadas no final do post (e todo o post, claro) são deveras pertinentes e, de certa forma, resumem a questão. Haverá uma "genética" francesa para este acto?
    Pergunto-me do porquê desta emergência. De nada servindo, e valendo o que vale, posso garantir este tipo de ocorrência, por conhecimento directo,de duas pessoas. Homens.
    Sabemos do estigma associado ao suicídio, tornando-o matéria clandestina, e do "pecado" que tal acto comporta. Terá alguma influência na pouca visibilidade que por aqui lhe é dada?

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  7. Será que os nossos sindicatos entendem o suicídio como um fracasso da sua actuação e, por isso, não o publicitam?

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  8. Caríssimos,
    Obrigado por juntarem as vossas dúvidas e reflexões às minhas.
    Quanto à questão de género, têm toda a razão. Realmente não a considerei na minha reflexão mas, como muito bem observam, poderá ser relevante, uma vez que quase todos os trabalhadores que se suicidaram são homens (pelos menos dos que tivemos conhecimento). Só me lembro do caso de uma mulher, na France Telecom, que se atirou da janela do seu gabinete em Paris. E tal como vós, não faço ideia do que poderá levar os homens a sucumbirem mais à pressão.
    Quanto à igualmente pertinente questão do eventual fracasso sindical, é uma dúvida que fica. Existirão casos destes em Portugal? Terão os sindicatos conhecimento deles? Recordo o caso do professor de música de uma escola da zona de Sintra, vítima de bullying, que se suicidou atirando-se ao Tejo: só quando a família divulgou a carta que o docente deixou no seu computador foi possível o caso tornar-se público e as reacções sucederem-se, dos Sindicatos ao Ministério.
    Estarão as nossas instituições preparadas para reconhecer e assumir os casos de suicídio em meio laboral?

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  9. Venho a tarde e a más horas,visto que já passou quase meio mês desde a publicação deste post...e não venho dizer nada de novo,mas acho que não há "apetência genética" da parte dos franceses,apenas há quem publique ou não esses casos.hao de haver milhentos suicídios que não são noticia,mesmo na área profissional é claro.pronto,já me perdi no pseudo raciocínio mas a ideia era apenas dizer que apenas alguns destes suicídios são noticia...o que não é novidade mas enfim.

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