sexta-feira, 18 de junho de 2010

Até sempre, Saramago



Ao escritor que tão bem retratou as muitas formas de trabalho e ao homem sempre empenhado na defesa dos trabalhadores e na denúncia da exploração, um adeus sentido.

Até sempre, Saramago!
Obrigado.

terça-feira, 15 de junho de 2010

Entre o local e o global

Florival Lança, desde 1993 responsável pelo pelouro de relações internacionais da CGTP, publicou recentemente “Inter Nacional” (edição da Profedições), um livro em que explica a sua cisão com a central sindical devido à não adesão à Confederação Sindical Internacional (CSI), a maior e mais representativa organização representativa de trabalhadores, e que acabou por ditar o seu afastamento.

Num dos debates de lançamento do livro, Florival, com a coloquialidade que lhe é característica, recordou o momento em que assumiu o cargo, substituindo José Luís Judas que abandonava a central em ruptura com a linha dirigente, face às suas posições no seio do PCP. “Comigo não havia desvio, eu era um operário. Foi por isso que me confiaram a responsabilidade pelas relações internacionais”, afirmou com toda a frontalidade.

Desse período de iniciação nos meandros das relações com o exterior, o sindicalista manteve significativamente presente a interrogação do pai, também ele um operário metalúrgico: “Em que é que isso ajuda os metalúrgicos?”, questionou-o.

“Nessa altura não consegui encontrar nenhum exemplo que satisfizesse o meu pai, não consegui fugir a abstracções”, recordou há dias.

Esta confidência de um sindicalista de longa data, com décadas de forte empenhamento em lutas à escala nacional e internacional, é paradigmática da encruzilhada em que se encontra o movimento sindical, simultaneamente confrontado com reivindicações locais e regras e mercados mundiais.

O trabalho sempre teve um papel central nas sociedades capitalistas. Mas no actual mundo globalizado e em acelerada transformação social essa centralidade, nos moldes em que a conhecemos, está a ser posta em causa.

A compressão do tempo e do espaço provocada pela globalização gera novas formas de trabalho que desregulamentam e flexibilizam os modelos de relações sociais de produção. Esta lógica de imprevisibilidade e instabilidade dá ao trabalho um carácter de transitoriedade e provoca uma insegurança a que os trabalhadores da classe média não estavam habituados e à qual não sabem responder.

Este é um desafio cada vez mais frequente numa batalha desigual. E a força de trabalho está a perder – não tenhamos dúvidas. Não tanto pela crise mas pelas suas consequências: mais neoliberalismo, mais flexibilização do mercado de trabalho, destruição da legislação laboral, desmantelamento do Estado social.

Nunca os defensores do neoliberalismo na União Europeia conseguiram tanto em tão pouco tempo: a uniformização da precariedade e o desmantelamento do modelo social europeu. Em matérias de direitos sociais e laborais, a Europa retrocede ao século XIX. Como alerta Paulo Sucena no preâmbulo, “os neoliberais vêem os trabalhadores que se mantêm, mesmo que minimamente, protegidos da desregulação do emprego como ‘privilegiados’ enquanto denunciam os direitos sindicais e as convenções colectivas como fortes entraves à ‘livre concorrência entre agentes económicos’”.

Defende Florival Lança, aliás como muitos outros, que é urgente unir esforços; criar dinâmicas de luta global, de forma a que os sindicatos possam simultaneamente dar resposta aos anseios específicos dos seus trabalhadores e a encontrar formas de acção e concertação internacionais. Mas unir esforços implica, sobretudo, uma mudança de mentalidades.

E como Florival Lança denuncia, com alguma mágoa, nem todos estão preparados para a mudança, que muitas vezes obrigará a aceitar desvios em nome dos objectivos finais. “Não é pelos projectos que a CGTP-IN se deve filiar internacionalmente na CSI. É pela solidariedade internacional que tanto defende e que ocupa um lugar destacado no seu ideário”, explica, acrescentando que “é pelo reforço das posições combativas no interior da maior organização mundial de trabalhadores”.

Não foi essa a opção da central, que internacionalmente tem preferido aliar-se pontualmente à Federação Sindical Mundial (que desde o desmoronar do bloco de Leste é essencialmente integrada por centrais de países que praticam o chamado “sindicalismo de Estado”) e, a nível europeu, filiar-se Confederação Europeia de Sindicatos (CES).

Florival Lança afastou-se da sua central de sempre. Resta-lhe hoje, entre muitas vitórias e derrotas em prol dos trabalhadores, exemplos concretos para responder à pergunta do pai. Citou-os quando apresentou “Inter Nacional”: o trabalho do comité de empresa europeu da AutoEuropa, ou a luta na Ford da Azambuja, que embora não tenha resultado para já acabará por dar os seus frutos, ao ter originado uma greve em todos os países onde a multinacional está instalada.

"Proletários de todos os países, uni-vos!” Marx dixit.

terça-feira, 1 de junho de 2010

O trabalho e a vida no Prémio Camões


Ferreira Gullar

O poeta e dramaturgo brasileiro Ferreira Gullar foi ontem galardoado com o Prémio Camões 2010.


Ao longo dos seus 80 anos, o também jornalista, crítico de arte e ensaísta tem-se destacado pela actividade cívica e política e pela sua posição ética perante a vida e os outros.


E porque a poesia é trabalho e o trabalho deste poeta tem lembrado (e honrado) os que trabalham, Ferreira Gullar cabe neste blogue, como o homem sem estômago e a mulher de nuvens cabem no seu poema.


Celebremos o prémio com dois poemas sobre homens de estômago vazio a lutar pelo preço ajustado…

João Boa Morte
Cabra Marcado para Morrer

Essa guerra do Nordeste
não mata quem é doutor.
Não mata dono de engenho,
só mata cabra da peste,
só mata o trabalhador.
O dono de engenho engorda,
vira logo senador.

Não faz um ano que os homens
que trabalham na fazenda
do Coronel Benedito
tiveram com ele atrito
devido ao preço da venda.
O preço do ano passado
já era baixo e no entanto
o coronel não quis dar
o novo preço ajustado.

João e seus companheiros
não gostaram da proeza:
se o novo preço não dava
para garantir a mesa,
aceitar preço mais baixo
já era muita fraqueza.
"Não vamos voltar atrás.
Precisamos de dinheiro.
Se o coronel não quer dar mais,
vendemos nosso produto
para outro fazendeiro."

Com o coronel foram ter.
Mas quando comunicaram
que a outro iam vender
o cereal que plantaram,
o coronel respondeu:
"Ainda está pra nascer
um cabra pra fazer isso.
Aquele que se atrever
pode rezar, vai morrer,
vai tomar chá de sumiço".


Não há vagas

O preço do feijão
não cabe no poema. O preço
do arroz
não cabe no poema.
Não cabem no poema o gás
a luz o telefone
a sonegação
do leite
da carne
do açúcar
do pão

O funcionário público
não cabe no poema
com seu salário de fome
sua vida fechada
em arquivos.
Como não cabe no poema
o operário
que esmerila seu dia de aço
e carvão
nas oficinas escuras

- porque o poema, senhores,
está fechado:
"não há vagas"

Só cabe no poema
o homem sem estômago
a mulher de nuvens
a fruta sem preço

O poema, senhores,
não fede
nem cheira