terça-feira, 15 de junho de 2010

Entre o local e o global

Florival Lança, desde 1993 responsável pelo pelouro de relações internacionais da CGTP, publicou recentemente “Inter Nacional” (edição da Profedições), um livro em que explica a sua cisão com a central sindical devido à não adesão à Confederação Sindical Internacional (CSI), a maior e mais representativa organização representativa de trabalhadores, e que acabou por ditar o seu afastamento.

Num dos debates de lançamento do livro, Florival, com a coloquialidade que lhe é característica, recordou o momento em que assumiu o cargo, substituindo José Luís Judas que abandonava a central em ruptura com a linha dirigente, face às suas posições no seio do PCP. “Comigo não havia desvio, eu era um operário. Foi por isso que me confiaram a responsabilidade pelas relações internacionais”, afirmou com toda a frontalidade.

Desse período de iniciação nos meandros das relações com o exterior, o sindicalista manteve significativamente presente a interrogação do pai, também ele um operário metalúrgico: “Em que é que isso ajuda os metalúrgicos?”, questionou-o.

“Nessa altura não consegui encontrar nenhum exemplo que satisfizesse o meu pai, não consegui fugir a abstracções”, recordou há dias.

Esta confidência de um sindicalista de longa data, com décadas de forte empenhamento em lutas à escala nacional e internacional, é paradigmática da encruzilhada em que se encontra o movimento sindical, simultaneamente confrontado com reivindicações locais e regras e mercados mundiais.

O trabalho sempre teve um papel central nas sociedades capitalistas. Mas no actual mundo globalizado e em acelerada transformação social essa centralidade, nos moldes em que a conhecemos, está a ser posta em causa.

A compressão do tempo e do espaço provocada pela globalização gera novas formas de trabalho que desregulamentam e flexibilizam os modelos de relações sociais de produção. Esta lógica de imprevisibilidade e instabilidade dá ao trabalho um carácter de transitoriedade e provoca uma insegurança a que os trabalhadores da classe média não estavam habituados e à qual não sabem responder.

Este é um desafio cada vez mais frequente numa batalha desigual. E a força de trabalho está a perder – não tenhamos dúvidas. Não tanto pela crise mas pelas suas consequências: mais neoliberalismo, mais flexibilização do mercado de trabalho, destruição da legislação laboral, desmantelamento do Estado social.

Nunca os defensores do neoliberalismo na União Europeia conseguiram tanto em tão pouco tempo: a uniformização da precariedade e o desmantelamento do modelo social europeu. Em matérias de direitos sociais e laborais, a Europa retrocede ao século XIX. Como alerta Paulo Sucena no preâmbulo, “os neoliberais vêem os trabalhadores que se mantêm, mesmo que minimamente, protegidos da desregulação do emprego como ‘privilegiados’ enquanto denunciam os direitos sindicais e as convenções colectivas como fortes entraves à ‘livre concorrência entre agentes económicos’”.

Defende Florival Lança, aliás como muitos outros, que é urgente unir esforços; criar dinâmicas de luta global, de forma a que os sindicatos possam simultaneamente dar resposta aos anseios específicos dos seus trabalhadores e a encontrar formas de acção e concertação internacionais. Mas unir esforços implica, sobretudo, uma mudança de mentalidades.

E como Florival Lança denuncia, com alguma mágoa, nem todos estão preparados para a mudança, que muitas vezes obrigará a aceitar desvios em nome dos objectivos finais. “Não é pelos projectos que a CGTP-IN se deve filiar internacionalmente na CSI. É pela solidariedade internacional que tanto defende e que ocupa um lugar destacado no seu ideário”, explica, acrescentando que “é pelo reforço das posições combativas no interior da maior organização mundial de trabalhadores”.

Não foi essa a opção da central, que internacionalmente tem preferido aliar-se pontualmente à Federação Sindical Mundial (que desde o desmoronar do bloco de Leste é essencialmente integrada por centrais de países que praticam o chamado “sindicalismo de Estado”) e, a nível europeu, filiar-se Confederação Europeia de Sindicatos (CES).

Florival Lança afastou-se da sua central de sempre. Resta-lhe hoje, entre muitas vitórias e derrotas em prol dos trabalhadores, exemplos concretos para responder à pergunta do pai. Citou-os quando apresentou “Inter Nacional”: o trabalho do comité de empresa europeu da AutoEuropa, ou a luta na Ford da Azambuja, que embora não tenha resultado para já acabará por dar os seus frutos, ao ter originado uma greve em todos os países onde a multinacional está instalada.

"Proletários de todos os países, uni-vos!” Marx dixit.

3 comentários:

  1. Gostei de o ouvir.

    Todos os direitos que foram conquistados ao longo dos anos estão a ser tirados por causa da crise, quantos anos levaremos a reconquistá-los?

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  2. À medida que o capitalismo internacional - desregrado, prepotente, agressivo, reaccionário, egoísta - avança, o pensamento de Marx ressurge. É necessário e urgente, parece impositivo. Diga-se, começa a urgir uma acção sindical menos de colarinho branco.
    Pergunto: em Portugal, na escolha entre o mal maior (a direita descarada de volta ao poder, seja com Sócrates ou sem ele), ou a manutenção de um mal menor, sob a forma de socialismo mitigado (com Sócrates, necessariamente), há um outro mal ainda menor – ou (o) bem maior? Quero dizer, à esquerda do PS o discurso deveria radicalizar-se? Agudiza a luta de classes no caminho que segue? Convenhamos, à direita descarada tem de responder-se com radicalismo.
    Os sindicatos estarão capazes de dar essa resposta? Têm poder para isso? Há vontade dos trabalhadores no sentido de aprofundarem a contestação, levá-la às ruas e além fronteiras?
    Quero dizer, numa altura em que os trabalhadores chineses, por exemplo, dão sinais de impaciência e exigem - com êxito, ao que parece - respeito pelo trabalho, quantos foram os sindicatos e sindicalistas ocidentais - aquele das vítimas do neoliberalismo, que fomenta a exploração desenfreada a oriente - a manifestar apoio, a dar força, a apoiar essa revolta? Não será silêncio a mais?
    Talvez por isso, Florival Lança poderia hoje dizer ao pai: se nós ajudarmos os metalúrgicos chineses a combater a prepotência internacional, poderemos ganhar relocalização – o inverso de tantas deslocalizações. E fazer justiça aos operários chineses, asiáticos, de todo o Terceiro Mundo: proporcionar-lhes o salário justo pelo trabalho produzido, e correspondentes aos lucros que proporcionam. E, não menos importante, fazer para esta onda de capitalismo selvagem e cada vez mais sem rosto.

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  3. Breve comentário: priveligiados aqueles ainda não neoliberalizados. Repare-se como se consegue passar a mensagem de que quem tem emprego com direitos é um priveligiado.

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