terça-feira, 27 de abril de 2010

Comemoramos o quê?


Kasimir Malevich

No próximo sábado, na rua ou comodamente em casa, uma parte do País (e do mundo) comemora o 1º de Maio, Dia do Trabalhador.


Vale a pena recordar que neste dia comemora-se a manifestação de trabalhadores de Chicago, que em 1886 reivindicavam a redução da jornada de trabalho para 8 horas diárias. Como sabemos, a luta então iniciada terminou com uma carga policial, dezenas de mortos e de feridos.


Em 1889, a Internacional Socialista decidiu convocar anualmente uma manifestação para o dia 1 de Maio, com o objectivo de conquistar as 8 horas diárias de trabalho.


Em 1890, o Congresso dos EUA aprova a redução da jornada de trabalho de 16 para 8 horas diárias.


Na Europa, em 1891, no norte de França, a manifestação do 1º de Maio é dispersada pela polícia – com a correspondente dezena de mortes.


Só em 1919, a 23 de Abril, o Senado francês ratifica a jornada laboral de 8 horas diárias. E o 1º de Maio é proclamado feriado.


É também em 1919 que em Portugal é consagrada na lei a jornada de 8 horas – mas apenas para os trabalhadores do comércio e da indústria. Os assalariados agrícolas continuarão a trabalhar de sol a sol.


E só a partir de 1974 o 1º de Maio pode ser festejado.


Eis-nos chegados a 2010. O Código do Trabalho estipula que o horário de trabalho em Portugal não pode ultrapassar as 8 horas diárias e as 40 horas semanais.


Mas, graças às nuances legais criadas – do regime de adaptabilidade ao banco de horas – a jornada diária pode atingir as 10 horas e a semana prolongar-se até às 50 horas.


Mesmo assim, eufemismos. Quanto de nós não são diariamente pressionados para trabalhar 10, 12, 14 horas? Sem outra compensação que não seja a tentativa desesperada de preservar o posto de trabalho…


Cento e vinte anos depois, vamos comemorar o quê? O regresso à jornada de trabalho de sol a sol? Sem protestos e com o beneplácito de (quase) todos.


Sinal dos tempos?


6 comentários:

  1. Ao primeiro sinal de crise os abusos voltam sempre...

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  2. Estamos a voltar ao tempo da Revolução Industrial. E o governo pactua com os patrões, agora até vai alterar o subsídio de desemprego - para pior, claro.

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  3. Caros,
    Sempre as situações de crise foram propícias a abusos. E, por vezes, também a convulsões sociais que terminam em revoluções...

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  4. Mais um dia de resistência do que de celebração. Estão os sindicatos preparados para os tempos que correm? As pessoas, os discursos, pareciam mais do mesmo.

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  5. Caro Anónimo,
    Em minha opinião, nem de resistência nem de celebração: foi um dia de protesto. Mas um protesto tímido face aos problemas que afectam o mundo laboral, do desemprego ascendente à resposta governamental à crise (propostas de alteração das regras de acesso ao subsídio de desemprego e respectivo valor, corte nas prestações sociais…) até à escalada de abusos cometidos por empregadores, de que nos vão chegando notícias (suponho serem apenas a ponta do icebergue).
    Logo, parece-me estarmos perante um sentimento de desânimo face à situação, que cria um desfasamento entre o descontentamento e a resposta pública – e colectiva.
    Quanto ao papel dos Sindicatos enquanto pólo aglutinador desse descontentamento social, a questão é delicada. Torna-se cada vez mais difícil um papel pró-activo num momento de grande instabilidade e de ataque continuado a um conjunto de direitos.
    Mas sem dúvida considero fundamental, para a própria sobrevivência do movimento sindical enquanto força social activa, uma rápida adaptação às novas realidades e a adopção de novas formas de intervenção capazes de responder às necessidades e anseios de um colectivo de trabalhadores cada vez mais diferenciados entre si – e muitas vezes sem denominador comum… a não ser o individualismo e uma certa aversão à acção colectiva.

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  6. Não foi o mesmo, não, este 1º de Maio. Foi pior, as gentes já nem bulem como dantes. E os sindicatos emanam da vontade pessoas, dos trabalhadores - mesmo os desempregados, a não ser que tenham desistido de trabalhar.
    O que andam as pessoas a fazer se estão desempregadas? Não vão às manifestações por falta de tempo? Ou de interesse? Mas mantêm o ânimo para dizer mal do próximo, do vizinho, do governo. À socapa, pois claro, ou não fosse esta um país de antifascistas e antisalazaristas depois de o regime ter caído...

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