segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Construímos ou destruímos?



– O que fazias antes de seres guarda prisional, Irmão?
– Era pedreiro. Construí muitas casas com estas mãos. Casas lindas, com varandas e jardins e alpendres.
Hussein contempla as mãos por muito tempo, seguindo com um dedo as veias da mão contrária, como um homem que procura reter na memória uma paisagem querida.
– E o que preferes? Ser pedreiro ou ser guarda?
– São tempos diferentes, Irmão. Há um tempo para construir, e um tempo para destruir, para depois construir de novo. Talvez um dia volte a ser pedreiro, mas, para já, é isto que tenho de fazer.
Dalia Sofer, O Último Setembro em Teerão (Editorial Presença, 2009, pág. 145)

Podemos destruir quando trabalhamos? E temos consciência disso ou adormecemos a consciência a favor da sobrevivência?
O trabalho pode ser, hoje, alienante, como já alertava Marx há quase dois séculos? Negamo-nos no que criamos, num renovado e sempre igual processo de objectificação?

5 comentários:

  1. No filme "Nas nuvens" o emprego do George Clooney é destruir quando trabalha, ou não?

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  2. I,
    Tem toda a razão, é exactamente isso. E também ele assegura a sobrevivência até ao problema de consciência, não é?
    O exemplo é óptimo e brevemente conto fazer um post sobre o filme.

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  3. Os banqueiros também olham as mãos, de quando em quando. E também eles se maravilham com a mão generosa, aquela que abre sonhos de voos a quantos precisam de dinheiro, a preços justos, para investirem e criarem riqueza.
    Pensam, nessas ocasiões, que se outros investirem o dinheiro que emprestam, mesmo longe da usura, lhes proporcionará bons lucros. Mas, aí, hesitam. Se outros ganharem muito dinheiro, talvez comecem a emprestar, e a concorrência não é boa conselheira.
    Então, escondem as mãos, as duas, para não terem a tentação de olhá-las, e, vá, descobrirem que uma delas está disponível para a bondade. A profissão deles é, não construir ou destruir, mas assegurar o lucro máximo. Será que eles estão alienados por via da objectificação do seu trabalho?
    Ou seja, na parábola do pedreiro/guarda prisional, o que levou o homem a abandonar a construção? Estava a ficar objectificado? A destruição é mais bem paga? E aí não há objectificação?

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  4. Caro Anónimo,
    Se conhecer um banqueiro com as características de que fala - generosos, bondosos e alienados - por favor apresente-mo. Será um excelente "case study".
    Quanto à respectiva profissão, como sabe assegurar o lucro máximo é uma enorme construção para os próprios e respectivos accionistas e uma (lenta) destruição para quem tem de trabalhar sob os ritmos que eles impõem. Relativamente aos clientes... depende, não é?

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  5. Caro Anónimo,
    Só mais um elemento para reflexão:
    Parece-lhe construção ou destruição os milhões de postos de trabalho perdidos em consequência da actual crise económica mundial que, por sua vez, é uma consequência da crise financeira global?
    Não esqueçamos o que esteve na sua origem: o crédito subprime nos EUA, que desencadeou um turbilhão rapidamente alargado aos bancos da Europa e da Ásia e pôs em causa o sistema financeiro global tal como ele se desenvolveu ao longo da última década. Tal não era a maximização do lucro…

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